(Texto
Base: At 1.6-8)[1]
Sempre
que se trata sobre a função da Igreja, surgem diversas definições do que seria
a responsabilidade desta. Muitas Comunidades estão tão perdidas nesta definição
que sua trajetória e suas atividades não exprimem com clareza a natureza da
Igreja e muito menos ensinam a verdade do evangelho. Uma má compreensão da
função desta faz com que, de tempos em tempos, surjam diversas heresias que são
introduzidas na pregação e vivência da Igreja, fazendo com que se afastem ainda
mais de Cristo e da responsabilidade que este confiara ao Seu corpo.
Por
conta das inúmeras confusões que se fazem a respeito da natureza da atividade
da Igreja vemos o foco e objetivo desta se perdendo. Ao longo da história vemos
este foco sendo perdido desde os dias da chamada “Igreja Primitiva”, passando
pela idade média e chegando em nossos dias com ainda mais confusões ao ponto de
fazer com que nós, nas palavras de Armstrong, tenhamos de nos defender não mais
dos ataques à Deus feitos por outras comunidades, mas dos ataques promovidos
pelas Igrejas evangélicas, como segue:
Para surpresa do
cristão evangélico descuidado, ataques contra a visão clássica de Deus têm sido
feitos pela principal corrente liberal há mais de um século. O que tem sido
totalmente surpreendente, dos últimos dez anos para cá, é que esses ataques
agora estão vindo de dentro do campo evangélico[2].
Nessa
constante mudança do pensamento e confusão quanto à função da Igreja, sua
pregação muda e a própria ideia de Deus e de quem Ele é, muda de tempos em
tempos. É preciso, portanto, fazer uma análise do que tem sido dito ser a
missão, na prática, da Igreja e o que as Escrituras dizem ser a missão desta.
Nesse texto
veremos o que tem sido pregado como missão (função/finalidade) da Igreja e
faremos uma reflexão bíblica desses ensinos para contrastar, ao fim dessa série,
com o ensino bíblico da “Grande Comissão” (Mt 28.18-20).
1
– Curas e Milagres
Como
resultado do misticismo intrínseco do ser humano, e considerando suas
dificuldades típicas por conta do “estilo de vida” que comprometem a “qualidade
de vida” deste, a função da Igreja tem sido confundida com os sinais que
acompanham a pregação como se tais sinais fossem a conclusão e tarefa final da
existência da comunidade dos fiéis. Em algumas comunidades esta é, inclusive, a
visão de eficácia e termômetro da
espiritualidade de tais e tais comunidades ao ponto de ser visto “com desconfiança” as comunidades que
assim não procedem. Curas e milagres são não mais ocorrências que podem acontecer para a propagação do
evangelho, mas tornara-se o evento que deve
acontecer para que a Igreja tenha validade no campo da pregação.
Quando
olhamos para as Escrituras percebemos que, de fato, o Senhor Jesus deixou claro
que seus discípulos teriam autoridade para realização dalgumas coisas (Mt 10.1)
e de tantas outras, desde que em nome Dele (Jo 14.12-14). A grande confusão é
feita a partir do entendimento de que tudo o que for pedido “em nome de Jesus” será atendido
irrestritamente e que todos àqueles que realizarem tais sinais “em nome de Jesus” estão imediatamente
validados como sendo instrumentos da Graça e “verdadeiros profetas” da
parte de Deus. Por conta disso, e por causa da inclinação mística do coração do
homem, tais situações são vistas como evidências irrefutáveis da comunidade
Espiritual e propagam tais coisas como finalidade da Igreja.
Contudo,
o Senhor Jesus deixa claro, no final do Sermão
do Monte, que tais coisas não seriam sinais inegáveis de Sua condução na
vida de tais homens e comunidades. Quando ordena seus ouvintes a se acautelarem
dos falsos profetas, Jesus descreve algo no mínimo intrigante quanto a este
entendimento (Mt 7.15-23). Neste ponto do Sermão Jesus deixa claro que, no dia
da manifestação final da sua segunda vinda, muitos dirão que “em nome de Jesus” profetizaram,
exorcizaram e realizaram milagres (MT 7.22). Contudo o Senhor lhes dirá que
jamais os conheceu (Mt 7.23). Isto é, jamais fizeram tais coisas de fato
procedendo do Senhor. De forma interessante Jesus não disse que não realizaram
tais coisas, mas que não o fizeram sobre o conhecimento (autorização) Dele.
Fizeram-no e supostamente o fizeram em Seu nome, mas isto jamais ocorrera.
Precisamos
lembrar que, no Egito, durante a execução dos primeiros sinais realizados por
Moisés, os magos do Egito conseguiram repetir os mesmos (Êx 7.8-11; 20-22;
8.1-7) e que as bestas que emergem do mar e da terra far-lhe-ão também (Ap
13.2-6; 11-15). Portanto, ainda que sinais como curas e milagres acompanhem a igreja enquanto prega o
evangelho, não podemos confundir esses sinais e torná-los obrigatoriamente a função e finalidade da Igreja, como sua missão.
2
– Prosperidade Material
Outra
pregação que tem ganhado força nos últimos tempos é a chamada “teologia da prosperidade”. Desde os
adventos filosóficos e ideológicos do Marxismo, e como consequência natural da
teologia da libertação[3] que vai modificar a visão
de necessidade do homem propondo que toda e qualquer beneficência que seja
realizado ao homem deve ser aplicado a esta vida e mudar a realidade do homem apenas e prioritariamente nesta realidade e dos dilemas desta realidade, foi
ganhando corpo a teologia que propõe como resultado último da ação de Deus não
a remissão de pecados e a necessidade de um salvador, mas o enriquecimento
material para “livrá-lo dos males desta vida”, ao ponto de, em algumas
comunidades, ser ensinado que a pobreza é sinal de “encosto espiritual” na vida
do ser humano.
Surgem
aos montes Igrejas que pregam que o Cristão tem de ser financeiramente
abençoado e tem leiloado as bênçãos de Deus, ao ponto de prometer mais do que
Deus se comprometeu a fazer. Nas palavras de Leandro Lima:
Nunca,
nas igrejas, o prazer e o sentir-se bem foram tão almejados, e todo o tipo de
sensação ruim, como por exemplo, a tristeza pelo pecado, tão expurgada. O
sofrimento é considerado por muitos como um grande mal que precisa ser evitado.
Hoje, muitas igrejas têm a base de sua proclamação toda voltada para evitar o
sofrimento e, assim, conquistam muitos adeptos. São ministérios, como disse
Packer, que prometem ‘mais do que Deus se comprometeu a fazer no mundo’.[4]
E
nesse intento, muitos se deixam ir e se rendem ao pensamento de que o
ministério da Igreja é tão somente livrar o homem do pior mal social do
presente século: a falta de recursos. Para tanto, fazem distorções das
aplicações das verdades bíblicas como a questão dizimal. Usam as imprecações e
a promessa relacionada à devolução do dízimo (Ml 3.10) como moeda de troca para
obter o favor do Senhor. Usam a verdade de Deus e a distorcem para obter lucro
e enriquecimento diante dos homens, em nome de Deus.
Na
contramão dessa situação encontramos, ainda, alguns que ignoram os ensinos de
Jesus quanto o amor ao dinheiro (Mt 6.19-21), as observações do Apóstolo Paulo neste
mesmo assunto (1Tm 6.3-10) e a observação de que, nos últimos dias, muitos – falsos
– líderes, que são avarentos, iriam mercadejar sobre a fé do povo (2Pe 2.1-3).
Ainda temos o exemplo de Judas Iscariotes, homem avarento e ladrão (Jo 12. 1-6)
que foi capaz de vender o Senhor por 30 moedas de prata (Mt 26.14-16), preço
dos escravos no antigo testamento (ex 21.32), sendo este também o primeiro ato
de Judas depois de ser possuído pelo diabo e ser retirado da “mesa da comunhão” antes de ser sacramentada
a Santa Ceia (Jo 13.21-30).
Por
essas razões a finalidade da Igreja não deve ser apenas a promoção da riqueza e
da prosperidade tão somente nesta vida, como exorta o Apóstolo Paulo, ao ponto
de chamar de “inimigo da cruz de Cristo”
os que de tal forma procedem (Fp 3.17-19). A missão da Igreja não é propor
enriquecimento financeiro a ninguém.
3
– Dons Espiritualizados
Outro
ponto procedente da constante confusão que se faz a respeito da missão da
Igreja é o que diz respeito aos chamados “dons espirituais”. Em algumas
comunidades chega-se ao ponto de verificar o ardor e fervor das mesmas na execução,
promoção e quantidade de pessoas que possuam determinados dons que são vistos
como superiores e mais espirituais
que outros negando a premissa bíblica da variedade dos mesmos distribuídos na
comunidade dos fiéis (1Co 12.1-11; Ef 4.1-16; Rm 12.3-8).
Em
algumas comunidades, pela falta de compreensão das orientações do uso dos dons
e da ordem no culto (1Co 12-14), promovem-se a ideia de que a igreja tem sua
vida e eficácia pautada nesses princípios ao ponto de sugerir que se os membros
não tiverem determinado dom não são verdadeiramente cristãos. Por isso, todo e
qualquer cristão, segundo essa ótica, é visto com frieza, caso não estejam
repetindo tais cerimônias utilizando-se desses dons. Confundem a missão da
Igreja com a promoção de tais ideais.
Nessa
mesma visão, assim como em relação aos sinais, curas e prodígios, a finalidade
da Igreja é promover o misticismo e a visão de que existem dons superiores e
que Deus não concede a cada um, mas a todos que busquem dons específicos.
Contudo, o Senhor Jesus não nos chamou para ensinar, manipular ou espalhar a
prática desses e falhamos quando achamos que fomos redimidos para tal fim.
Conclusão
Como
visto, a finalidade da igreja não tem sido compreendida e, por conta dos erros
no entendimento desta realidade a pregação e expansão da Igreja está equivocada
e baseada em premissas que não são a verdade bíblica. É preciso muito cuidado,
pois, por mais profundo que possam parecer, e por mais que mexam com nosso ego
religioso, não são as verdades das Escrituras e não são as razões da existência
da Igreja.
A
Igreja precisa, portanto, procurar nas Escrituras a base de sua existência,
compreendê-la de forma satisfatória e bíblica, rever a sua historiografia,
corrigir os erros de sua má interpretação e obedecer a ordem do Senhor no real
cumprimento de sua tarefa. Nenhuma outra corporação, nenhuma outra criatura e
nenhuma outra motivação existem para cumprir a ordem dada pelo Senhor Jesus
nesta terra, se não a Igreja. Nos próximos textos iremos avaliar a missão da
Igreja e ver, bíblicamente, como executaremos de forma santa e verdadeira esta
missão.
Aplicação
Quantas
vezes nós confundimos os sinais que servem para promover o evangelho com a
finalidade deste? Quantas vezes filosofias e pensamentos sociais, políticos e
econômicos tornam-se o epicentro da nossa busca por Deus e nossa esperança em
Jesus? Precisamos ser sinceros e desconstruir nossos objetivos pessoais
equivocados para podermos, enfim, enxergar a verdade de Deus e nos enquadrar
nessa tarefa. Não é o evangelho quem deve dizer o que queremos ouvir, mas somos
nós quem devemos proclamar o que o evangelho tem a dizer.
Não
ousemos usar o nome do Senhor em vão e prometer aquilo que Ele jamais o fez.
Nem mesmo ousemos profanar o nome do Senhor usando-o para pedir a Deus apenas
aquilo que entendemos ser a nossa necessidade, vontade e prioridade.
Medite,
ore ao Senhor da Igreja que nos vocaciona, como o poeta, através do hino “Pendão real” (nº 303 do HNC[5]), finalizando sua reflexão
a respeito da nossa missão no nosso presente século, para a glória de Deus e
para o crescimento da Igreja. Isto, sim, o faça em nome de Jesus.
1 Um pendão real vos entregou o Rei
A vós, soldados seus!
Corajosos, pois, em
tudo o defendei,
Marchando para os céus
Com valor! Sem temor!
Por Cristo prontos a sofrer!
Bem alto erguei o seu pendão
Firmes, sempre, até morrer!
2 Eis formados já terríveis batalhões
Do grande
usurpador!
Revelai-vos
hoje bravos campeões!
Avante,
sem temor!
3 Quem receio sente no seu coração
E fraco
se mostrar,
Não receberá
o eterno galardão
Que Cristo
tem pra dar!
4 Pois sejamos todos a Jesus fieis
E a
seu real pendão!
Os que
da vitória colhem os lauréis
Com ele
reinarão.
(D.W. Whittle –
H.M. Wright)
[1] Para ler e meditar durante a
semana D – Mt 10.1-15 um chamado para homens comuns; S –
Ml 1.1-5 Um povo comum, escolhido sem mérito próprio; T -
Jo 1.1-14 Pessoas escolhidas diretamente pela vontade de
Deus, não dos homens; Q – Mt 10.16-42 Uma
missão para homens comuns; Q – 1Co 1.18-25 Deus
Escolhe pessoas comuns; S – 1Pe 2.9-10 Povo
escolhido com uma missão específica; S – Sl 78.3,4 O que
aprendemos ensinaremos à presente e futuras gerações.
[2]
ARMSTRONG, J. H. Eu não sei mais em quem tenho Crido. São Paulo:
Cultura Cristã, 2006. Pp. 9.
[3] A Teologia da libertação é
uma corrente teológica cristã nascida na América Latina, depois do Concílio
Vaticano II e da Conferência
de Medellín, que parte da premissa de que
o Evangelho exige a opção
preferencial pelos pobres e especifica que a teologia, para concretar essa
opção, deve usar também as ciências humanas e sociais.
[4] LIMA,
Leandro A. Brilhe a sua luz: O cristão e
os dilemas da sociedade atual. São Paulo: Editora Cultura Cristã.
[5] Hinário Novo Cântico, usado na Igreja
Presbiteriana do Brasil.
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