Tomé, o último apóstolo do segundo grupo de
discípulos mais próximos de Jesus, é erroneamente chamado de descrente. Essa
característica não faz jus ao seu caráter, haja vista que ele não era
necessariamente descrente, mas sim, pessimista. Tomé era uma pessoa negativa.
Ele é o típico ser que pensa demais em tudo, só que sempre enxergando o lado
negativo dos fatos, esperando sempre pelo pior.
Pouco sabemos a respeito dele. Os evangelhos registram
seu nome na listagem que fazem dos doze discípulos e, apenas o evangelho de
João, nos fornece um pouco mais de detalhes sobre sua personalidade. A primeira
menção que faz de seu nome está registrado no texto base desse texto. Ele era
chamado de Dídimo, que significa “algo formado em duas partes” ou “Gêmeo”[3], significando, então, que
ele possuía um irmão ou irmã. Sobre sua família, é o máximo que podemos inferir
com base nos relatos sacros.
Nada se sabe sobre o local de sua origem,
exceto de que também provavelmente fosse galileu, como os seus companheiros de
missão. Mas os autores bíblicos, divinamente inspirados por Deus, omitiram
essas informações, relatando apenas o seu nome e listando-o como um daqueles
que entregaram-se ao Senhorio soberano de Jesus. E, nas mãos de Jesus, mesmo
este homem extremamente pessimista, era um poderoso instrumento nas mãos do
Redentor[4].
1 – A VERDADEIRA CORAGEM DE TOMÉ
Tomé é mencionado fora da listagem dos doze,
pela primeira vez, em Jo 11.16. Este único versículo nos diz muito sobre o
verdadeiro caráter dele, embora também demonstre seu pecado e sua luta por
vencer seu próprio negativismo por confiar em Jesus e entregar-se a ele.
No contexto desse verso, João relata os
acontecimentos que envolveram a morte e ressurreição de Lázaro. Jesus havia se
retirado de Jerusalém, pois sua vida ali estava correndo risco, haja vista o
intento dos líderes da época para prendê-lo e mata-lo. Jesus havia ido ao
deserto onde João, o Batista, estava acostumado a pregar anteriormente e seguiu
ali pregando as Boas Novas do Reino e muitos lá creram Nele (Jo 10.39-42). O
ódio em Jerusalém contra Jesus e contra seus seguidores era cada vez maior. Os
principais líderes das seitas judaicas haviam se unido em torno do propósito de
prendê-lo e mata-lo. Como ainda não havia chegado o momento do Messias ser
entregue nas mãos dos pecadores e ser por eles morto ele, então, retira-se. E
lá, enquanto anunciava o arrependimento para remissão de pecados, fora
interrompido pelo recado enviado pelas irmãs Marta e Maria (Jo 11.1-2), que
residiam em Betânia.
A família dos irmãos Lázaro, Maria e Marta
alcançou uma profunda afeição por parte de Jesus. Como Betânia era próxima de
Jerusalém, Ele havia se hospedado muitas vezes com aquela família que também
havia suprido suas necessidades em alguns momentos. Eles tinham acesso ao
Salvador e, por isso, quando estavam diante da dura realidade da enfermidade,
não mediram esforços e dirigiram-se imediatamente ao Senhor submetendo-lhe
aquela situação por meio da triste notícia, pois sabiam que se Jesus estivesse
ali, teria poder suficiente para curar Lázaro.
Esse cenário compunha um dilema particular ao
grupo. Betânia era tão próxima de Jerusalém que, de lá, era possível ver o que
acontecia naquela vila. A hostilidade crescente contra Jesus favorecia uma
conspiração e, agora, se ele voltasse para socorrer aqueles irmãos, seria o
momento propício para executar o plano vil de tirar-lhe a vida. E Jesus não
relutou, mas decididamente resolveu ir até lá, esperando apenas mais dois dias
para que Lázaro pudesse, efetivamente, morrer e então, Cristo, manifestar sua
grandeza e glória.
Quando Jesus lhes disse que aquela doença não
seria para morte, mas sim para a glória de Deus, os discípulos certamente
ficaram aliviados. Isso não porque esperavam a morte ou ressurreição de Lázaro,
até porque Jesus diz tais e tais coisas antes da morte propriamente dita,
chegar a ele. Os discípulos, ainda assim, quando Jesus decide ir até Betânia,
exclamaram: “Os judeus procuram apedrejar-te e ainda agora queres voltar para
lá?” (Jo 11.8). Parecia uma insanidade aquilo que o Mestre decidira fazer. Mas
Jesus lhes responde com uma parábola, para deixar claro a eles que não deveriam
ir e fazer aquilo escondido, pois estavam diante da própria luz (11.9-10). Não
seriam eles que iriam tropeçar, mas sim aqueles que decididamente
levantassem-se contra Ele naquele momento.
O Senhor dá uma verdadeira lição aos seus
discípulos, expondo perante eles a incredulidade típica de seus corações. Ele,
então, decide ir até lá para manifestar a glória de Deus, mesmo sabendo do
iminente perigo que corria. É nesse contexto que João registra as palavras de
Tomé, e é a primeira vez em que ele aparece separadamente dos demais, e revela
o que estava em seu coração.
Suas palavras foram, de fato, negativas e
pessimistas. Ele diz aos seus companheiros “vamos
também nós para morrermos com ele” (11.16). Um otimista teria pensado: “Bom, se Jesus disse que dará tudo certo,
pois veremos a glória de Deus, vamos lá que nada há de nos acontecer”. Mas
o pessimista, que apenas vê a tragédia em todas as coisas, estava certo de que
encontrariam a morte ao final de sua jornada até o local onde estava Lázaro.
Mas Tomé, o Dídimo, o pessimista, apesar da sua desconfiança típica, estava
pronto para entregar a sua vida por causa de Cristo. E assim o fez. Apesar do
medo e de esperar uma tragédia ao chegar à Betânia, seu coração não titubeou em
nenhum momento, mas quis seguir a Jesus. A coragem de Tomé foi impressionante.
Ele decidiu seguir a Jesus quando seu próprio coração lhe apontava os perigos.
Mas seu amor pelo Senhor era tão imenso e intenso que era-lhe melhor morrer com
Cristo do que viver sem ele.
2 – O AMO DE TOMÉ PELO SENHOR
O próximo momento em que João registra as
palavras de Tomé estão registradas em Jo 14, quando o Mestre lhe fala sobre sua
partida aos céus para preparar lugar. Já vimos este episódio partindo da visão
de Filipe[5], mas agora o veremos a
partir da visão de Tomé.
Este não era necessariamente incrédulo, mas
pessimista, como já visto no tópico anterior. Quando Jesus anuncia sua partida
para preparar lugar aos seus discípulos (Jo 14.2-3), ele também declara que
eles conheciam bem o caminho para onde iria (14.3). Evidentemente que Jesus
fala da sua partida dessa terra. Isso fica mais claro quando olhamos o texto
anterior em que Jesus avisa a Pedro, o apóstolo que falava demais, sobre seu
ato de negar ao salvador.
Naquele instante, quando Jesus declara sua
partida para preparar-lhes lugar, Tomé faz uso da palavra para dizer “Não sabemos para onde vais; como saber o
caminho?” (14.5). As palavras dele foram carregadas de significado. Na
verdade, havia muito mais coisas ali presentes do que apenas incredulidade
ativa e direta do coração. Seu amor pelo Senhor forçara-lhe a prestar tais
declarações. MacArthur, falando desse momento, nos diz:
(...) Jamais chegaremos ao
lugar para onde você está indo. Nem sabemos ‘como chegar lá’. De que maneira
devemos proceder? O plano de morrer com você era melhor porque, assim, não nos
separaríamos. Se morrêssemos juntos, permaneceríamos juntos. Mas, se você
partir, como vamos encontra-lo? Nem sequer sabemos o caminho”[6]
Seu amor pelo Messias era imenso de modo que
pensar em separar-se Dele era demais. Na sequência, Jesus declara que, de fato,
ele conhecia o caminho, pois era Ele próprio. Desse modo, todos sabiam para
onde iriam e como iriam. Iriam para o Pai e iriam por meio de Jesus, mas ainda
não era chegada a hora. Tomé não duvida de que Jesus, de fato, iria preparar
lugar para eles. Ele não duvida que Jesus voltasse para busca-los. O problema é
quando tais coisas ocorreriam. Jesus
responde-o mostrando que era preciso fé e conhece-lo de fato para que pudessem
chegar ao Pai e ser, por Ele, conduzidos.
3 – A CONFISSÃO DE TOMÉ
O próximo evento narrado por João, e que
envolve diretamente a Tomé, está registrado em Jo 20, logo após a ressurreição
de Jesus. Nela vemos um contraste interessante entre uma confissão pessimista e
uma confissão vívida e fervorosa procedentes de um mesmo homem.
Logo após a aparição de Jesus a Maria
Madalena e as demais mulheres, os discípulos estavam reunidos no cenáculo, com
portas trancadas, temendo o que poderia ocorrer com eles. Jesus manifesta-se
ali entre eles, mas Tomé não estava com o grupo. Como qualquer pessoa
pessimista, ele estava solitário, curtindo sua tristeza e amargurado com seus
pensamentos e frustrações. Chorava a morte do Senhor, como os demais, mas
separadamente. Ao ser informado de que Jesus aparecera ao grupo, ele traz sua
primeira confissão, a de pessimismo e incredulidade, dizendo que só acreditaria
naquela aparente insanidade se
tocasse as marcas dos cravos nas mãos de Jesus e visse a ferida feita pela
lança. Como era possível tamanha falta de fé? Lembremos que ele não foi o único
a duvidar, tanto que os demais também não creram quando as mulheres lhe
contaram sobre a ressurreição de Jesus. Por isso, chama-lo de incrédulo somente
por isso é uma injustiça. Mas sua declaração em resposta ao que os demais
acabaram de lhes contar era algo deveras forte. Era mais fácil pensar na
possibilidade de uma ilusão coletiva do que pensar na possibilidade de Jesus
realmente ter aparecido diante deles. Tanto que ele não mediu palavras para
expor seu pensamento e dizer que somente creria se suas mãos tocassem e seus
olhos, efetivamente, o vissem.
Dias depois, quando estavam todos reunidos
novamente no cenáculo e, desta feita, Tomé estava presente, Jesus manifestou-se
diante deles mais uma vez, mesmo com as portas trancadas, pois o medo ainda
estava tomando conta do coração deles.
Jesus saudou-os ordenando a paz (Jo 20.26).
Imediatamente, sem que ninguém, muito menos Tomé, tenha lhe dito palavra
alguma, ele ordena que Suas mãos e Seu lado sejam tocados por este discípulo.
Ninguém sabia o que tais palavras provocariam, exceto Jesus, que conhece nossas
fraquezas e delas se compadece (Hb 4.15; Jo 2.25) e o próprio Tomé. Diante das
palavras de Jesus, não foi preciso dizer mais nada e nem foi preciso toca-lo
para que este reconhecesse quem estava diante de seus olhos. É nesse momento
que vemos a sua segunda confissão, desta feita de uma imensa e intensa fé: “Senhor meu e Deus meu!” (Jo 20.28). Tomé
reconhece ser aquele, o amado de sua alma, o Senhor de sua vida, o Deus
verdadeiro, aquele que nos mostrou a glória do Pai nos possibilitando vê-la.
Seu pessimismo fora superado. Agora, havia nele uma resoluta confiança e fé.
4 – SUA MORTE
Existem muitos relatos quanto a sua morte.
Mas a tradição mais confiável diz que ele morreu ferido por uma lança, na
Índia, onde levou o evangelho em sua vida, até ser morto como mártir. Uma morte
apropriada para um homem que alcançou a maturidade na fé quando teve a
oportunidade de ver e tocar a marca da lança que atravessara o lado de Jesus.
Em sua morte, este que não poderia viver
longe de seu Senhor, foi beneficiado morrendo por um ferimento tão
significativo em sua memória e, assim, podendo estar novamente ao lado do
Senhor, indo para as moradas celestiais, onde Jesus fora preparar lugar. Ele,
de fato, foi após o mestre sabendo onde Ele estava e como chegar lá.
CONCLUSÃO
Tomé foi, de fato, um grande discípulo do
mestre e bem diferente de como a tradição popular nos faz vê-lo. Ele não era
grosseira e necessariamente incrédulo. Ao contrário, houve momentos em que ele
até agiu de maneira mais crédula que os demais. Ele não foi covarde diante dos
desafios. Ao contrário, mesmo vendo o lado negativo dos fatos, deve coragem de
seguir Jesus até a morte se fosse necessário, e encontrou-a, não em Betânia,
mas na Índia, enquanto pregava o evangelho de Jesus. Foi na morte, e não na
vida que ele encontrou-se, definitivamente, com o mestre.
APLICAÇÃO
Existem pessoas não muito diferentes de Tomé,
no que diz respeito a serem negativistas. Pessoas que sempre enxergam o anuncio
da tragédia até na proclamação da glória e vitória. Pessoas assim precisam da
graça de Deus para superar seu pessimismo e viverem de acordo com a vontade de
Deus e lutarem por ela, ainda que sua mente e coração digam que é uma completa
loucura. É nesse momento que faz sentido cantar “não olho circunstâncias, não, não, não. Olho seu amor, seu imenso amor,
não me guio por vistas, alegre estou!”[7]. Lute para que você não
seja guiado (a) pela força das circunstâncias e busque crer em Deus de forma
que possas orar e cantar como Habacuque no fim de seu livro:
Ainda que a figueira não
floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não
produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não
haja gado, todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação.
(Hb 3.17,18)
Não confunda pessimismo com falta de fé. Nem
sempre as ações de Tomé foram apenas falta de fé, ao contrário, quando
conclamou os demais a irem à Betânia, ela sabia que era melhor morrer com
Cristo a viver sem ele. Ele creu em Sua mensagem. Por isso, não trate como
falta de fé por parte dos outros ou de sua parte, mas encare a realidade de que
você precisa da graça para se livrar desse pessimismo e confessar o mesmo que
Tomé diante do Senhorio de Jesus! Ore para que haja, de fato, uma mudança e
libertação da sua parte e da parte daqueles que procedem assim. Como o poeta,
exclame a firmeza na fé[8]
que tens no Senhor Jesus!
1
Somente ponho a minha fé
Na graça
excelsa de Jesus,
No sacrifício
remidor,
No sangue
do bom Redentor.
A minha fé e o meu amor
Estão firmados no Senhor,
Estão
firmados no Senhor.
2 Se
não lhe posso a face ver,
É pela
fé que vou viver;
Em cada
transe a suportar
Eu hei
de nele confiar.
3 A
sua graça é mui real,
Abrigo
traz no temporal;
Ao vir
cercar-me a tentação,
Me fortalece
sua mão.
4 Quando
a trombeta ressoar,
Irei
com ele me encontrar;
E com
os salvos cantarei
Louvor
eterno ao grande Rei!
(E. Mote – F. C. B. da Silva)
[1] Adaptado de MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das
primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora
Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed.
[2]
Leitura semanal recomendada: D – Hb 11.1-3 O que
é a fé; S – Jo
11.1-27 Cristo, a verdadeira vida; T – Jo 11.28-44 Vendo a glória de Deus; Q – Jo 14.1-15 Descansando
em Cristo; Q – 1Rs 17.8-24 Confiando em Deus; S – Hb 12.1-3 Imitando
à Jesus nas oposições; S – Jo 20.24-29 Bem-aventurados os que creram!
[3] MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por
Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed. Pp.
152
[4] TRIPP, Paul David. Instrumentos nas mãos do Redentor: pessoas
que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação.
São Bernardo do Campo: Nutra Publicações. 2012, 2ª ed. 472 p.
[6] MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por
Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed.
Pp 156
[7] Letra completa disponível em: http://www.cifraclub.com.br/corinhos-evangelicos/essa-paz-que-eu-sinto/.
Acessado em 28/07/15
[8] Nº
93 do Hinário Novo Cântico
Nenhum comentário:
Postar um comentário