domingo, 22 de dezembro de 2013

Experiência com Deus: Ignorância ou conhecimento?

         O atual cenário do evangelicalismo está cada vez mais distante da verdade contida nas Escrituras. Percebe-se erros grotescos sendo cometidos e heresias adentrando as portas da Igreja de maneira que a tem feito perder, a cada dia, sua identidade conferida pelas Escrituras e reafirmada ao longo dos séculos, principalmente quando da reforma protestante. O que desencadeou tal situação não é um problema novo. Sempre que aqueles que deveriam ser bastiões da verdade se distanciavam dela, o povo começou a defender e a seguir heresias condenadas pela Palavra de Deus. Hoje, de maneira clara, não tem sido diferente.
            A cultura atual da grande massa brasileira é de aversão à leitura. As pessoas não tem o hábito de ler. Por essa falta de cultura e de incentivo à leitura, as pessoas dentro das igrejas também deixaram de deleitarem-se meditando nas Sagradas Letras (Js 1.6-8; Sl 1) que conduzem à vida. Outro problema é a falta de sede pelo conhecimento de Deus em sua própria Palavra. Terceirizamos esse trabalho apenas ouvindo os “profetas” de Deus e tomando suas palavras por verdade absoluta por, supostamente, falarem em nome de Deus. Não procuramos encontrar fundamento e coerência entre a palavra do “profeta” e a Palavra de Deus. Ao invés de fazermos como os crentes da cidade de Bereia que, ao ouvirem as palavras do ap. Paulo, consultavam as Escrituras a fim de saberem se ele realmente estava expondo claramente as verdades bíblicas (At 17.10-11). Jesus bem alertou seus discípulos no passado, e a nós mesmos, respondendo aos saduceus, que tencionavam pegá-lo em contradição com os ensinos vetero-testamentários, que o erro deles se dava por desconhecerem as Escrituras e o poder de Deus (Mt 22.29). Geração após geração, vemos a igreja enveredar por caminhos tortuosos e heréticos pelo mesmo motivo: desconhecem as Escrituras.
            Quando fala-se em conhecer as Escrituras, não falamos a respeito de saber os textos a ponto de suscita-los mentalmente, evocando-os pela memória. Tão pouco falamos a respeito de conhecer um ou outro trecho bíblico. É bem verdade que existem histórias mais conhecidas entre as pessoas e histórias menos conhecidas. É também verdade que, de maneira mística, as pessoas se apegam a trechos como amuletos de sorte. O problema todo está no fato de que não conhecem a totalidade das Escrituras e não buscam fazê-lo. O conhecimento a respeito das Escrituras limitam-se, superficialmente, a alguns salmos, histórias da monarquia e milagres de Jesus. Neste cenário de falta de conhecimento bíblico e de falta de interesse em meditar em suas páginas, eis que nos surgem algumas questões para que entendamos o porque de dedicarmos o nosso tempo em estudar as sagradas Escrituras, tanto do Antigo, quanto do Novo Testamento[1].
Porque Estudar a Bíblia:
            Estamos certos de que a resposta desta pergunta é de fundamental importância para definir nosso empenho em ouvir a voz de Deus em cada uma das suas páginas, principalmente num mundo em que a veracidade bíblica tem sido amplamente discutida. Muitas respostas poderiam ser dadas a tal questionamento, principalmente partindo do nosso pressuposto[2] Teo-referente[3]. Elencamos algumas para que possamos compreender, ainda que de rápida maneira, a importância de dedicar-nos na constante atividade de ler as Sagradas Escrituras, que geram vida para aqueles que apreendem e compreendem seus ensinos.
É a auto-revelação de Deus
            Partindo do pressuposto de que toda a Escritura é inspirada por Deus (2Tm 2.16-17), sendo ela mesma quem revela e manifesta o próprio Deus para que o possamos conhecer, entendemos que não há outra maneira de conhecer a Deus, de modo verdadeiro e pleno, dentro da maneira como o próprio Deus se revela a nós, se não for pelo estudo meticuloso de todas e cada uma das páginas das Escrituras. Tudo o que está ali impresso, seja no AT ou no NT, é Deus deixando-se conhecer pelo homem, revelando parte[4] do seu ser e sua vontade.
            Diferente do antigo período em que Deus se revelava aos homens por meio de seus profetas que ouviam suas palavras diretamente de Seus lábios, no nosso caso, temos de ouvi-Lo através de Cristo (Hb 1.1-2), a encarnação da Palavra de Deus (Jo 1.1).
            Embora as pessoas estejam buscando cada vez mais por um conhecimento essencialmente experimental, movido, muitas vezes, por sentimentos, o conhecimento de Deus não pode se valer apenas desse método. Isso porque nossas experiências são quase sempre subjetivas e dependem duma série de fatores para que possamos compreendê-las. Deus, superior à nossa imaginação, não quis entregar-Se a ela. Longe disso, proibiu veementemente que tentássemos diminuí-Lo a algo que nossa mente possa criar e comparar (Êx 20.4).
            Entretanto, em nossos dias, há um movimento muito grande, em nome de uma busca intensa por experiência com Deus, que motiva os homens a quererem uma intimidade maior com Ele. Querem o certo, do modo errado. Intimidade se dá por experiência e convivência. Mas a maior convivência com Deus está em praticar dia a dia sua Palavra e ouvir a Sua voz cada vez que nos aproximamos das páginas das Escrituras. Interessantemente, Deus não limitou sua revelação à nossa compreensão primária. Pelo contrário, ordena meticuloso estudo e deleite justamente porque nossa mente rasa não consegue alcançar o ser de Deus, de modo profundo. Se quisermos conhecer a Deus – e devemos querer – não é de modo experimental num primeiro momento. Aliás, a nossa própria experiência com Deus será conduzido por aquilo que sabemos a respeito Dele. E saberemos a respeito Dele quando ouvirmos sua história, Seus ensinos e Sua vontade. E isso se dá exclusivamente por meio de Sua Palavra, que é sua auto-revelação.
Conta a História da nossa Esperança
            Independente do reconhecimento humano, Cristo é a esperança de redenção para toda a criação. Nele, tudo o que está morto, podre, frio, sem expectativa alguma, se refaz e se torna vivo. A morte de Cristo trouxe, àqueles que são resgatados a partir da cruz, vida. Cristo é tudo o que a criação decaída necessita. Esse conhecimento, talvez, alguém diria, temos apenas a partir do NT. Mas isso não é totalmente verdade.
            Quando olhamos as Escrituras Sagradas, somos apresentados a um cenário fantástico a partir de Gn 1. O universo criado por Deus era perfeito, mas tão perfeito que o próprio Deus disse que tudo o que fizera era bom, reservando ao sexto dia, dia em que criou o homem, a expressão de que tudo era muito bom (Gn 1.1-31). Contudo, Gn 3 nos mostra a inversão nessa realidade. Homem e mulher pecam contra Deus e são, desse momento em diante, contaminados pelo mal e fazem com que toda a humanidade a partir deles também o seja.
Deus sentencia a serpente, satanás, a mulher, a natureza e o homem (Gn 3.14-19). Tudo parecia estar perdido nesse momento. Até que, de maneira graciosa, em Gn 3.15, como sentença a satanás, Deus suscita uma esperança para todos os homens[5]. Ele promete restabelecer a ordem que existia até a queda trazendo derrota a satanás e vida ao homem. A partir desse momento, toda e cada uma das letras contidas nas Escrituras demonstram o cumprimento do plano divino para restaurar o que estava perdido com a queda.
Deus, de maneira sábia, revelou seu plano no tempo e no espaço de modo que o homem pudesse compreender a séria realidade em que se encontrava. Mas, ao mesmo tempo, demonstrar a necessidade de ser mudado para que pudesse viver com Deus e mostrar como deveria ser essa nova vivência, depois de plenamente redimida. Desse modo, tudo o que consta das Escrituras se torna importante para nossas vidas, pois somente reconhecemos a obra de Cristo e sua relevância para nossas vidas quando entendemos como Deus criou, como ficou depois do pecado, como Deus fez tudo apontar para Jesus e, por fim, como Jesus cumpriu todas as exigências para que pudéssemos agora, redimidos, viver diante de Deus sem a mácula do pecado e sem suas duras consequências. Somente as Escrituras nos mostram que a dureza desse mundo e os sofrimentos aos quais todos os seres humanos estão submetidos são transitórios. A bíblia nos mostra que, para o homem, sempre “há esperança” (Jó 14.7).
Mesmo sabendo da dificuldade de nossa sociedade em ler, principalmente em ler as Escrituras, e mesmo sabendo da nossa tendência natural a ter aversão à Palavra de Deus, precisamos buscar incessantemente conhece-lo através das Escrituras. Não podemos nos acomodar com a cultura de falta de busca e deleite em Deus por meio de Sua Palavra. Não podemos nos conformar com uma busca por intimidade com Deus gerada por algo que não seja o reconhecimento de quem Ele é, e só saberemos quem Ele é por meio dos Escritos Sagrados.
Como no passado, precisamos retornar as Escrituras e deixar que ela norteie nossa vida, nossas experiências, e que nelas estejam baseadas a nossa esperança. Sendo, no presente, bastiões da verdade, lutemos para proclamá-la de forma clara, estabelecendo-a como de fato é: nossa única regra de fé e prática. Ao longo dos próximos meses, meditaremos, na congregação Presbiteriana do Nelson Costa, em Ilhéus, sobre a nossa esperança apresentada no Antigo Testamento, livro a livro, para que possamos cumprir com aquilo que a letra do poeta nos conclama a fazer:
CHAMADA:
Eia, crentes destemidos,
Da verdade convencidos,
Para a luta apercebidos,
No combate entrai!
Eis que surgem, aleivosos,
Erros grandes, perniciosos,
Nestes tempos perigosos
Vossa fé mostrai!
O dever vos chama.
Vosso Deus proclama
A santa lei do Eterno Rei,
Que vosso ardor reclama.
Confessai, pois, resolutos,
Fervorosos, incorruptos,
E com lábios impoluto:
Deus, Verdade e Fé!

Vós por Cristo libertados,
Não sejais escravizados!
Os direitos alcançados
Firmes sustentai!
Salvação por homens dada,
Paz fingida, paz comprada,
Lei de Deus falsificada,
Tudo rejeitai!
Vosso Deus não muda.
O Senhor ajuda
A quem cumprir, sem desistir,
E seus fiéis escuda.
Avançai, pois, exultando,
Sempre em Cristo confiando,
Vosso testemunho dando:
Deus, Verdade e Fé!
(R.H. Moreton)



[1] Por Antigo Testamento e Novo Testamento, falamos a respeito da velha e da nova aliança. Não se trata de um ser mais importante que o outro ou que um tenha supremacia sobre o outro. Ambos tem autoridade divina. O Antigo Testamento trata da aliança simbólica ou representativa, em que cada elemento apontava para o Cristo que haveria de vir. O Novo Testamento trata da aliança definitiva, não simbólica apenas, mas agora real e perfeita, concluída e aperfeiçoada na pessoa de Cristo, o Filho de Deus.
[2] Por “Pressuposto” queremos dizer: lentes pelas quais enxergamos toda a realidade ao nosso redor.
[3] Teo-Referente: Deus como referência
[4] Afirmamos que revela apenas parte do seu ser por compreender que a Bíblia revela tudo o que precisamos saber sobre Deus, mas que Ele é além daquilo que está revelado. Deus é superior ao nosso limitado conhecimento e forma de compreensão. Desse modo, Deus se revela duma maneira que possamos compreender, mas que não é totalitário nessa revelação.
[5] Para maiores informações sobre este assunto, consultar o artigo “Proto-Evangelho: Maria ou Cristo, Sobre quem é a promessa?” Disponivel em: http://refletindoparaavida.blogspot.com.br/2012/05/proto-evangelho-maria-ou-cristo-sobre.html