terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O que é o Natal?

Chegamos a uma época do ano em que as pessoas mais gostam de celebrar. Independente da cosmovisão religiosa, as pessoas de todos os credos, inclusive aqueles cujo credo é a falta de um, celebram esta festa que, há muito, deixou de ser apenas uma festa religiosa e se tornou uma tradição de final de ano para comemoração entre familiares, amigos, companheiros de trabalho e afins. O natal, hoje, em muitos lugares, tornou-se sinônimo de troca de presentes, comidas típicas, reuniões e o exercício da hipocrisia nos relacionamentos, em alguns contextos, onde as pessoas desejam felicidades e um dia “feliz”, mas que trabalham em todos os outros para ver a decepção, a frustração e a infelicidade daqueles em que, nesta data, desejam o bem. Mas o que, de fato, é o Natal?
Evidentemente que sabemos que Jesus não nasceu no dia 25/12 e esta data não era, originalmente, comemorado pelos apóstolos e pela igreja primitiva. Tanto o é que não vemos esses relatos no livro de Atos, tampouco vemos recomendação nas epístolas quanto ao assunto. A Enciclopédia Americana, edição de 1944, declara que “O costume do cristianismo era celebrar não o nascimento de Jesus Cristo, mas Sua morte. (A comunhão, instituída por Jesus no Novo Testamento é a comemoração de Sua morte). Isto é, a Igreja celebrava o ápice de sua salvação, quando da entrega final do cordeiro pascal para que a morte já não mais tivesse domínio sobre os eleitos de Deus, conforme o que foi prefigurado com Israel no Egito (Êx 12). A comemoração no mês de dezembro se deu, então, séculos depois dos apóstolos e da Igreja Primitiva, como nos acrescenta a Enciclopédia Americana: Em memória do nascimento de Cristo se instituiu uma festa no século quarto. No século quinto, a Igreja Ocidental deu ordem de que fosse celebrada para sempre, e no mesmo dia da antiga festividade romana em honra ao nascimento do deus Sol, já que não se conhecia a data de nascimento de Cristo”. Pelos relatos da história dos pastores no campo (Lc 2.8), e por sabermos, hoje, dos costumes judaicos da época, é bem provável que o mês certo tenha sido o mês de outubro em que Jesus nasceu.
De maneira interessante, os relatos dos evangelhos de Mateus e Lucas, que registram os detalhes do nascimento do Salvador, descrevem cenas diferentes das que estamos acostumados a ver nas celebrações natalinas. Não houve trocas de presentes, não houve banquetes, não houve aves nobres e nem outra coisas que presenciamos no Natal. Ao contrário, quando Jesus nasceu, não houve, para si, lugar nas hospedarias e o Senhor do Universo nasceu numa estrebaria, sendo posto numa manjedoura. Os primeiros visitantes a vê-lo foram os humildes pastores que contemplaram a visão da milícia celestial, subindo e descendo, proclamando que as boas novas de salvação haviam se cumprido e que o Salvador havia nascido (Lc 2.8-20). Isso nos mostra que é preciso humildade para comemorar o verdadeiro Natal e que o mesmo só faz sentido àqueles a quem o Pai revelar as Boas Novas.
Os próximos a contemplarem o Senhor foram Simeão e Ana, que, no templo, apesar da velhice, viram a salvação de Israel (Lc 2.21-38). Desse modo, Lucas nos mostra que é preciso fé para que o verdadeiro Natal faça sentido para nós. Não fé nos elementos da festa natalina, mas fé no Deus Encarnado (Jo 1.1-14), que, vindo ao mundo, ensinou-nos os preceitos do Pai, tornando-se em figura de servo (Fp 2.5-8). Cristo trouxe Luz aos que estavam nas trevas, perdidos em religiosidade fraudulenta e aos que jamais haviam contemplado a Glória de Deus e o Sol da Justiça (Ml 4.1-2; Is 9.1-7).Do oposto, esta se torna apenas mais uma data vazia e sem sentido e/ou significado.
Por fim, precisamos entender que o evangelho não pode se assemelhar à pedagogia e filosofia da libertação. O Salvador do mundo não veio apenas para ser adorado e servido pelos pobres, fracos e oprimidos, socialmente falando. Mt 2.1-19 nos mostram como ocorreu a visita dos magos, vindos do oriente, para adorar ao menino, Filho de Deus, que acabara de nascer. Estes, verdadeiramente, adoraram ao Salvador e lhe ofertaram o que havia de melhor em suas terras: ouro, incenso e mirra. Assim sendo, nos ensinam que independente de situação social, Cristo veio para alcançar o povo escolhido dentre todos os povos, sem divisão ou dissensão de classes socioeconômicas. E é apenas entendendo o verdadeiro significado do Natal que podemos dedicar ao Senhor o melhor do que possuímos, seja material ou imaterial. Nossa condição financeira não nos exime de dedicar ao Senhor Jesus o melhor do que possuímos.
Queridos, diante do que lemos, precisamos avaliar como tem sido a nossa percepção e a nossa comemoração do Natal. Não é errado que tenhamos comentos de alegrias, confraternizações, fraternidade e reciprocidade. Mas é preciso saber que, para aqueles alcançados pelas boas novas do evangelho, o Natal é mais do que meramente uma festa de confraternização. De fato, houve festa nos céus e deve haver festa na terra. Mas para celebrar o autor da salvação que, vindo ao mundo, trouxe luz àqueles que jazem nas trevas. Que neste Natal lembremo-nos dessas verdades e adoremos ao Salvador por sua compaixão e graça.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

CIRCO, PALHAÇO E PICADEIRO: O QUE HÁ COM A IGREJA HOJE?


O púlpito das Igrejas hoje está em estado de emergência e numa contínua calamidade. Nunca se viu tantas Igrejas, das mais diversas concepções e linhas doutrinárias, abrindo a cada dia para “pregar o evangelho” e, ao mesmo tempo, nunca vimos uma pobreza no que tange ao conhecimento das Escrituras. As Igrejas perderam seu desejo pela sadia pregação e exposição das Escrituras para falarem a respeito de suas opiniões particulares a respeito dos mais variados assuntos. O que, antes, era inegociável, hoje é relativo. A orientação e direção divina, prescrita em sua palavra, hoje é apenas uma sugestão da parte de Deus[1], cujo crivo de aprovação é a mente e o coração humano. Isso acontece pelo empobrecimento daqueles que assumem a tribuna da Palavra de Deus e não a pregam genuinamente e não se esmeram por ensinar o que ela, de fato, diz. E isto tem gerado uma ignorância doutrinária, também, naqueles que freqüentam as Igrejas e não sabem exatamente o que ela diz e, infelizmente, temos nos tornado alheios a esta realidade. Nas palavras de MOHLER[2]:
“É triste, mas a ignorância doutrinária nos púlpitos de hoje está sendo reproduzida na ignorância e na indiferença doutrinárias nos bancos das igrejas, e as pessoas não estão vendo o quadro e muito menos tocando nele”.
Falando sobre a diferença entre a Igreja nos dias apostólicos e a igreja contemporânea, acrescenta, em outro momento, ainda[3]:
“Em contraste, olhemos para a igreja contemporânea. Vamos perceber o empobrecimento da pregação que tomou conta de tantos púlpitos. Raramente ouvimos que a igreja deve ser reconhecida, em primeiro lugar, por sua pregação. Quando ouvimos as pessoas falarem a respeito de suas congregações, ou quando fazem um comentário comparativo com outras congregações, geralmente falam de quase tudo, menos acerca da pregação. Elas falam de seu “ministério”. Elas se referem, talvez, aos ministérios específicos para adultos, crianças ou jovens. Falam da música. Falam dos demais ministérios de uma natureza ou de outra. Às vezes, elas falam de coisas muito mais superficiais do que essas. Ou talvez falem do vigor e do comprometimento da Grande Comissão da igreja – e devemos ser agradecidos se assim o fazem. Mas raramente você ouve uma igreja ser descrita, primeira e principalmente, pelo caráter, poder e conteúdo de sua pregação.”
A Bíblia nos ensina que este seria um dos comportamentos dos homens ao se aproximarem do “grande dia do Senhor”. Paulo afirma a Timóteo (2Tm 4.1-5) que chegariam dias em que os homens não suportariam a sã doutrina – afinal de contas ela é extraída das Escrituras, que é comparada a uma espada de dois gumes (Hb 4.12), capaz de penetrar no mais profundo do ser do homem e tratar das feridas que o próprio Deus faz na consciência do homem, quando quer restaurá-lo (Dt 32.39; Jó 5.18; Os 6.1-4). Por essa razão, os homens não a suportam, pois ela fere a consciência a fim de submetê-la à Cristo – e que procurariam mestres que trouxessem uma mensagem mais fácil de suportar e que fosse coerente com o desejo dos seus corações. Por esta razão, ao passo que tantas igrejas abrem suas portas para atrair fiéis, vemos crentes cada vez mais vazios e sem o conhecimento bíblico.
A Bíblia é muito clara quando trata a respeito do fim desses falsos pregadores, que são chamados de falsos profetas. Diversos textos expõem claramente como será o seu fim (Cf. Dt 18.15-22; Mt 7.15-58; 2Pe 2; Jd 3-23; etc.) e os que os buscam e os seguem terão o mesmo fim (Ap12-29;19.11-21, etc.). Portanto, há uma advertência clara para que a Igreja não siga por este rumo e que aqueles que almejam o episcopado, mantenham-se fiéis às Sagradas Letras que podem tornar sábio, santificar e salvar (Sl 19.7-13). Mas como os pregares atuais agem como falsos profetas?
Em primeiro lugar, tem pregado ensinos que vão à contra mão do que verdadeiramente expõe a Bíblia em seu todo. Sabemos que toda doutrina bíblica precisa estar baseada em mais de um texto e esses textos não podem ser isolados de seus contextos e nem podem contradizer outros ensinos bíblicos. De fato, olhando textos isolados de seus contextos e negligenciando tudo o que a bíblia diz, podemos encontrar textos que afirmam coisas como fornicação, homossexualismo, infanticídio, reencarnação, necromancia, outros caminhos até Deus e etc. Contudo, sempre isolado de uma séria e meticulosa meditação nas verdades bíblicas.
Em segundo lugar, os pregadores estão substituindo a seriedade da mensagem bíblica e a confrontação que a mesma faz ao coração e à consciência humana, por uma mensagem mais leve e branda que, ao invés de desafiar o homem e o levar a uma mudança, aprova seus comportamentos, mesmo os mais bestiais que possam praticar. MOHLER[4] diz, ainda, que:
“Seja pelo pregador ou pelo púlpito, simplesmente não há muita admoestação na igreja hoje. Em nossos dias, isso seria considerado intolerante, invasivo e até mesmo uma imposição. Na verdade, seria mesmo uma arrogância. Mas a função do pregador é expor o erro e revelar o pecado. A Palavra de Deus fará isso, eu garanto, porque é inevitável que isso aconteça quando você prega essa palavra.”
Assim sendo, o púlpito, local donde Deus fala aos corações humanos, virou um lugar para apresentação de “stund- up comedy”, para auto-ajuda e tantos outros recursos deveras heréticos. O pregador, que antes era visto como alguém de suma seriedade, hoje virou um artista quase circense com a tarefa, não mais de ensinar, mas de entreter as pessoas que se assentam nos bancos das Igrejas. Quem antes era um profeta, hoje é um palhaço.
Em terceiro lugar, a Igreja não quer mais ser dirigida por Deus. Em vários momentos da história de Israel isso era uma realidade. Samuel foi testemunha de um dos momentos em que isso ocorreu. Quando já estava velho, e seus filhos não eram retos como ele, o povo clamou por um rei (1Sm 8.1-5). Ouvindo este clamor, Samuel consultou ao Senhor e o Senhor lhe deixou claro que o povo não estava rejeitando ao velho Samuel, mas sim a Ele (1Sm 8.6-9). Como naquele momento, também vivemos nós hoje. Os cristãos da atualidade querem as bênçãos de Deus, mas não querem ouvi-Lo e nem serem guiados por ele. Por essa razão, a Igreja busca profetas que falem o que querem ouvir e não o que precisam ouvir.
Nesse contexto nós somos chamados para romper com esta sub-cultura. 1) Se somos pregadores, precisamos nos esmerar por preparar mensagens que fluam do texto sacro e que façam sentido com todo o contexto bíblico. Não podemos pregar mensagens que fluam de nosso achismo ou sejam frutos de anacronismos ou meras concepções místicas para poder basear nossos “usos e costumes”. Ao contrário, nosso comportamento e fé devem ser bem embasados nas verdades plenas do Evangelho; 2) Se somos o povo que se alimenta das pregações precisamos abandonar a cultura do conformismo, da terceirização do conhecimento bíblico e da preguiça espiritual e fazer como os crentes em Beréia (At 17.10-12): Verificar se tudo o que o pregador em nossa comunidade da fé prega está embasado nas Escrituras ou se tem feito uma colcha de retalhos dela. Não podemos aceitar tudo o que é dito como vindo da parte de Deus, por mais que possa vir de homens “eruditos” e “iluminados”. A Bíblia tem uma mensagem e é esta mensagem que precisa ser pregada para fortalecimentos dos cristãos e para conversão dos ímpios. Qualquer outra coisa dita, mesmo citada nas Escrituras, mas que não tenham base em vastos textos a luz de seus contextos, não pode ter espaço na genuína mensagem de Deus à Sua Igreja; 3) Precisamos refutar qualquer coisa que tende a tomar o espaço das Escrituras em nossa Igreja. A Centralidade da Igreja e o que gera vida é a Palavra de Deus registrada nas Escrituras. Qualquer outra coisa que tome o espaço não gera vida. Pode entreter, convencer, emocionar mas jamais converter de fato. A Ordo Salutis[5] é por via da pregação (Rm 10.10-15). Músicas, desde que plenamente baseada nas Escrituras, é a pregação da Palavra de forma poética. Essas músicas, bíblicas, podem alimentar. As demais são meras concepções e achismos. O púlpito não é lugar para anedotas, auto-ajuda, filosofias, lavagem de roupas sujas, entretenimento e nem para indiretas. A Igreja não é circo e nem o pregador pode ser o palhaço, na finalidade de promover risos dos fiéis que, nesse caso, seriam a platéia. Precisamos nos juntar ao poeta e aspirar para que, nos nossos momentos de meditação pública ou particular das Escrituras, seja uma Leitura Bendita[6]:
1 Enquanto, ó Salvador, teu livro ler,
De auxilio necessito para ver
Da mera letra, além, a ti, Senhor,
E meditar no teu excelso amor.
2 À beira mar, Jesus, partiste o pão,
Alimentando a imensa multidão.
Da vida o pão és tu; podes assim
Satisfazer, Senhor, também a mim. Amém.
(M. A. Lathbury – H. M. Wright)



[1] JÚNIOR, Isaías Lobão Pereira. A Igreja brasileira na pós-modernidade. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/pos_modernismo/igreja_brasileira_posmodernidade_lobao.htm. Acessado em: 24/10/15.
[2] JR., R. ALBERT MOHLER. ET AL. Apascenta o meu rebanho. Um apaixonado apelo em favor da pregação. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009. Pp. 28
[3] Ibid. Pp. 20
[4] Ibid. Pp. 29-30.
[5] Ordem da salvação.
[6] Nº 352 do Hinário Novo Cântico da Igreja Presbiteriana do Brasil

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Brasil: a Esperança e o Compromisso do Cristão


Estamos passando por um momento extremamente delicado. Nunca, na história da democracia em nosso país, assistimos o que têm acontecido em nossa classe política. O processo de declínio se demonstra nos âmbitos morais, econômicos, éticos e etc. Em meio a isso tudo está o povo brasileiro que assiste, atônito, a todas essas questões e já não deposita mais esperança na classe que ai está, embora ainda deposite sua esperança e confiança naqueles que já passaram ou em quem possa surgir para “salvar a nação”, exercendo uma função de “Messias político”, que conduzirá o povo rumo a libertação de todas essas questões, rumo a uma nação prometida há anos, mas jamais alcançada. Nesse instante surge a Igreja do Senhor, no Brasil, chamada a se opor a tais questões, não optando por lado algum de maneira cega, mas a sustentar os princípios da Palavra de Deus como meio norteador, depositando sua confiança exclusiva e total no Senhor do Universo. Eis o grande desafio.
Assim como a população, obscurecida de entendimento, busca um libertador dos problemas e do caos que se instaurou nesse país. A grande questão é que a Igreja do Senhor precisa entender que o Brasil só terá jeito quando render-se aos pés do Senhor e o Cristo conduzir este país, através de Seus servos, exercendo a liderança política, orando por eles (1Tm 2.1,2), cumprindo as leis do estado (Rm 8.1-7), o que inclui o pagamento de tributos (Mt 17.24-27; Rm 13.7). Embora saibamos que os “reis da terra” não se submetem ao Senhor e não haja compromisso com o Senhor Deus (Sl 2), o cristão é chamado a ter a mesma visão que João: Cristo é Senhor absoluto da terra (Ap 15.2-4; 19.1-21; 5.1-10). Portanto, é chamado a não submeter sua esperança em outro que não seja o próprio Cordeiro de Deus.
Além disso, vivemos um momento em que parece que voltamos no tempo e separamos o sagrado e o profano. Não conseguimos entender que a resposta para nosso país é a graça de Deus e a sujeição a Ele. Não entendemos que todos os problemas que enfrentamos são, na verdade, causados por um distanciamento de Deus e de Sua Palavra. Não seguimos o exemplo de Calvino que entendia que Genebra só poderia ser moral, social e politicamente redimida quando se aproximasse dos princípios das Escrituras[1]. Vivemos uma espiritualidade em que Deus tornou-se um ídolo residente no templo da Igreja. Nós estamos vivendo um momento em que não adoramos o Deus Vivo, mas idolatramos uma versão leniente e conivente desse deus com o pecado e com nossos achismos. Como resultado disso, não conseguimos mais entender que a doutrina, outrora defendida com afinco pelos nossos irmãos do passado, da depravação total[2] seja real e que todos os problemas que temos, seja no âmbito em que for, é por nos afastarmos de Deus e de Sua Palavra. Enquanto não entendermos que os problemas do Brasil são, primeiramente, espirituais e não lutarmos para viver os princípios de Cristo e de Sua Palavra, e não nossa interpretação da mesma, não haverá mudanças significativas no atual quadro do Brasil. Ainda que possamos argumentar de que o declínio deste mundo vai acontecer como está escrito, os cristãos não podem ser instrumentos para tal resultado. Não podemos nos associar a elas e nem termos responsabilidade ativa nesse declínio (Lc 17.1,2; Mt 18.6,7; Mc 9.42).
Também é necessário de que estejamos conscientes de nossa tarefa e responsabilidade como cristãos neste mundo. Embora nasçamos no Brasil, somos primeiramente, depois da redenção em Cristo, cidadãos dos céus, vivendo neste mundo e vivendo no Brasil. Como cidadãos dos céus neste mundo, temos a grande responsabilidade de viver fielmente como súditos do Rei e como integrantes do Reino. Nossos princípios devem ser os princípios de Cristo. Nossas prioridades devem ser as Dele. Nosso senso de justiça e pontos de luta devem ser os Dele. Somos chamados das trevas para a luz para torná-lo conhecido (1Pe 2.9) e para brilhar a Sua luz (Mt 5.14-16), fazendo a diferença neste mundo (Mt 5.13) por viver e fazer a vontade de Deus. Nossa missão é brilhar a Luz de Cristo e anunciar Sua mensagem em todo o mundo e a todos neste mundo. Onde quer que estejamos nós não podemos esquecer de que esta é a nossa missão. Se somos políticos, funcionários públicos, privados, estudantes, “do lar”e afins, não podemos esquecer que devemos executar todos esses papeis para a glória de Deus e para anunciar sua grandeza (Ef 2.10; 1Co 10.31; Cl 3.23; Mt 5.16). Nenhuma tarefa, nenhuma missão, nenhum trabalho, nenhum afazer ou labor nosso pode estar distante dessa realidade. Nosso compromisso não é com o Brasil, mas com o Senhor do Universo. E enquanto nós o servirmos estaremos optando pelo melhor do Brasil, ainda que tenhamos de apoiar medidas impopulares.
Nosso país atravessa um momento delicado. Nosso país enfrenta uma crise imensa. Nesse contexto a Igreja de Cristo é chamada para ser luz e fazer a diferença. Mas jamais o faremos enquanto não entendermos que a esperança de salvação e libertação do Brasil é o Senhor Jesus. Jamais o faremos enquanto afastarmos Deus de nossa vivência e de nossas ações cívicas. Jamais seremos instrumentos para a transformação do Brasil enquanto o nosso compromisso for com o povo, com as instituições, com a história, com as ideologias e não for exclusivamente com o Deus Triúno e com Sua Palavra. Mas quando o for, poderemos clamar com o poeta e trabalhar pela salvação do Brasil[3].

1 Do vasto Mato Grosso
Até ao Ceará,
Por vilas e cidades
Do sul ao Grão-Pará,
Deste evangelho santo
Que nos legou Jesus,
Ao povo brasileiro
Levemos nós a luz!
2 Do Sul ao Amazonas,
Do Oeste até ao mar,
Já corre a doce nova
Do amor que não tem par.
Já muitos foram salvos
Da morte e perdição;
No sangue do Cordeiro
Acharam salvação!
3 Contudo, ainda muitos,
Bem longe de Cristãos,
Adoram deuses feitos
Por suas próprias mãos.
De tão fatal pecado,
Da idolatria vil,
Unidos no evangelho,
Salvemos o Brasil.
(A. H. da Silva)



[1] LOPES, Augustus Nicodemus. Calvino e a responsabilidade social da Igreja. PES – Publicações Evangélicas Selecionadas. 24p.
[2] Consulte: SILVÉRIO, André do Carmo. João Calvino e “Os Cinco Pontos Do Calvinismo”. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/joao_calvino_5pontos_silverio.htm. Acessado em: 03/08/17.
[3] Nº 285 do Hinário Novo Cântico, da Igreja Presbiteriana do Brasil.

sábado, 17 de junho de 2017

Vencendo o Pecado

O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia. (Pv 28.13)

Nossa relação com Deus e a busca pela santidade perpassa pela realidade de nossa luta pelo pecado. Infelizmente, vivemos em dias como viveu Israel em muitos momentos, nos quais queria continuar cultuando ao Senhor, mas de forma meramente ritualística, de modo que não prezavam pela sinceridade (Is 1.10-17; Zc 1.2-6; Ml 1.6-14). Essa realidade continuou nos dias no NT e Jesus combateu fortemente a hipocrisia da religiosidade judaica, principalmente no sermão da montanha (Mt 5-7). O problema é que nós nos habituamos com o pecado e, conquanto condenamos alguns, praticamente cultuamos outros, principalmente aqueles que nós somos mais suscetíveis. Nossos momentos de confissão não passam de mera atitude de descargo de consciência para nos enganar a nós mesmos dizendo que “pelo menos somos sinceros diante de Deus” e reconhecemos nossas falhas. A bem da verdade, nós construímos muralhas ao redor dos pecados domésticos e nem sequer consideramos a necessidade de abandoná-los, embora sejamos ávidos para condenar os pecados alheios. Vivemos, como nos dias de Jesus, em que os religiosos foram tratados como hipócritas! O texto de Provérbios nos ensina que aquele que encobre seus pecados, continuará igual. Basta lembrar que enquanto Davi encobriu seus pecados, viveu sobre a tortura deste (Sl 32.3), mas apenas libertou-se ao confessá-lo e reconhecer-se pecador em essência (Sl 51.1-5), suplicando ao Senhor que trouxesse de volta a alegria que outrora havia na presença de Deus, que fora tirada pelo pecado (Sl 51.12), causando alívio após a confissão (Sl 32). O problema é quando estamos tão acostumados ao pecado que já não sofremos mais por cometê-lo e o tratamos como algo comum, normal, por vezes até como ato cultural e socialmente aceitáveis e nos escondemos atrás de nossa humanidade decaída para justificar nossa prática pecaminosa. O poeta sacro diz que só alcança misericórdia, da parte de Deus, aquele que confessa E DEIXA o pecado. Nosso problema é que na maioria das vezes não nos dispomos a deixá-lo e negligenciamos a tentação, subestimando o uso que satanás pode promover de tais situações para nos induzir ao erro, considerando a tendência natural do nosso coração para o mal. Jhon Owen, teólogo puritano do séc. XVII, diz:
O tipo de tentação usada pelo diabo é sempre uma tentativa de persuadir uma pessoa a pecar. Tal tentação visa a persuadir a pessoa a pecar de alguma, ou em todas as maneiras que se seguem: negligenciando os deveres que Deus lhe deu; alimentando o mal no seu coração; permitindo que satanás extraia o mal do seu coração; permitindo que de alguma maneira satanás o atraia afastando-o da comunhão com Deus; deixando de dar a Deus a obediência constante, plena e universal que Ele exige (incluindo a maneira como esta obediência é prestada)[1]
Mesmo que nós não enxerguemos dolo em alguns de nossos atos, mesmo tendo consciência de que é pecado, o propósito de satanás neles e com ele é o exposto pelas palavras de Owen. Contudo, Infelizmente, nossa vontade de estar bem com Deus é menor do que a vontade de estar bem com nosso coração enganoso (Jr 17.9), que deve ser bem guardado (Pv. 4.23), e de estar bem conosco mesmo e com nossas vontades. Sempre que temos de optar por um ou outro bem estar, optaremos por negligenciar Deus e por satisfazer nossas vontades. Essa realidade somente pode ser diferente se nós nos submetermos a Deus (Tg 4.7). Mas, para mudar essa situação, precisamos: 1) tratar pecado como pecado, ato de rebeldia contra Deus. Precisamos parar de diminuir os nossos atos e classificá-los apenas como erro de/no percurso e viver como se isso, de fato, fosse atenuar nossa falta. Diante de Deus, todos os pecados causam separação entre nós e o nosso Deus (Is 59.2) e levam-nos a morte eterna (Ez 18.4; Rm 6.23). Podemos enfeitar, podemos apelar para questões morais como mais ou menos desastrosas para a sociedade, mas a vara que mede esta questão é a de Deus, não da sociedade. Podemos encontrar conseqüências maiores ou menores entre a sociedade, mas estamos tratando da questão diante de Deus. Todo ato pecaminoso é, decidida e resolutamente se rebelar contra Deus. Lembremos que nem tudo pode ser pecado em si. Mas precisamos lembrar que, se nossos atos escandalizam nossos irmãos ou os incrédulos, é preciso que abandonemos, pois o “causar escândalo” e o ser “pedra de tropeço” é pecado (1Co 10.23-33; Mt 18.6-11). Essas questões precisam ser tratadas com a devida seriedade; 2) Pedir ao Senhor que não nos deixe normalizar a prática e a ter horror aos pecados, mesmo os de estimação. Evidentemente que existem pecados que não conseguimos nem sequer querer abandonar, pois está tão entranhado em nós que constitui parte de quem somos, em nossa antiga natureza. Além disso, a verdade e que o pecado traz, momentaneamente, um prazer. Gostamos de pecar e, naturalmente, não conseguimos superar isso. O Cristão recebe do Senhor liberdade para poder lutar contra o pecado e não cair por naturalidade, além de sermos entristecidos pelo pecado (Sl 51). Não podemos viver sem horror ao pecado. Precisamos ter asco dele e nos ressentir ao cometê-lo. Se já o tratamos como natural, não nos ressentimos e, pior, gostamos de gostar do pecado, é sinal de que o Espírito não age em nós, já q é Ele quem convence do pecado e vive em constante tensão com nossa velha natureza (Gl 5.17); 3) parar de dar desculpas para continuar praticando-os. Pare de querer justificar-se ao pecar. Deus, que conhece todas as coisas, sabe muito melhor do que nós as razões que nos levam ao tropeço. Como já salientado, o pecado não está medido na nossa consciência, mas na de Deus. Apontar outros erros como maiores que os teus, apelar para a existência de pessoas que erram mais que tu, dizer que seus erros são moralmente melhores do que outros ou qualquer outra desculpa. É preciso que olhemos para nossos erros como erros de fato e nos humilharmos, não nos exaltarmos, neles, com eles, por causa deles ou por abandonarmos eles. O pecado nos traz humilhação e não exaltação; 4) confessá-los ao Senhor e abandoná-los. Não adianta confessar e nem sequer lutar para abandonar o erro. Isso é hipocrisia! Precisamos lutar para deixar de errar e nos constranger quando cometermos qualquer pecado que seja. Evidentemente que a situação não é simples e não será fácil. É possível que lutemos a vida inteira. Mas o que não podemos fazer é deixar de lutar, com todas as nossas forças e com todas as armas que Deus nos concede, por Seu Espírito, para nos preparar para essa árdua tarefa que é vencer a nós mesmos e abandonar nossos pecados. Façamos como o poeta e supliquemos a Deus que, a cada dia, torne-nos santos até alcançarmos a perfeição[2].
1 Mais pureza dá-me, mais horror ao mal,
Mais calma em pesares, mais alto ideal;
Mais fé no meu Mestre, mais consagração,
Mais gozo em servi-lo, mais grata oração
2 Mais prudência dá-me, mais paz, meu Senhor,
Mais firmeza em Cristo, mais força na dor;
Mais reto me torna, mais triste ao pecar,
Mais humilde filho, mais pronto em te amar.
3 Mais confiança dá-me, mais força em Jesus,
Mais do seu domínio, mais da sua luz;
Mais rica esperança, mais obras aqui,
Mais ânsias da Glória, mais vida em ti. Amém.
(Ph. P. Bliss – A. F. de Campos)





[1] OWEN, John. Tentação e mortificação do pecado. O que todo cristão precisa saber. São Paulo: Pes - Publicações Evangélicas Selecionadas. Pp 14
[2] Nº 121 do Hinário Novo Cântico, da Igreja Presbiteriana do Brasil

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Judas - o traidor

(Texto Base: Mt 26.25)[1][2]
Finalmente chegamos ao estudo do último dos doze apóstolos mencionados nas listas dos evangelistas sobre os discípulos do Senhor. Este é o mais odioso e o menos próximo do Senhor, embora ainda pertencente ao grupo e o mais distante do Mestre no que diz respeito a toda e qualquer característica humana. Judas nem sequer é mencionado no livro de Atos, na lista dos apóstolos, pois sua vergonhosa história teve fim pouco antes da morte de Jesus. Quando Lucas o cita em Atos é para deixar claro que ele definitivamente era o filho da perdição e o filho de Satanás.
Todos os discípulos estudados até aqui servem para nos motivar, a despeito de nossas fraquezas, a servirmos ao Senhor com todo o nosso ser, e nos mostram como é possível que Cristo transforme pessoas comuns, com defeitos comuns, em instrumentos extraordinários, usados tão somente para o louvor de Seu Nome e para a glória de Seu Reino. Judas, por outro lado, tipifica o quão vil pode ser o coração do homem quando este não se entrega aos pés do Senhor e, definitivamente, não é tocado pela graça. Em sua história é possível percebermos que há possibilidade de pessoas estarem com o Senhor, verem seus milagres e realizações e ainda assim estarem apenas superficialmente com Ele, não sendo profundamente tocados por Seu imenso poder. Judas, em sua trajetória da história do Redentor, esteve pessoal e fisicamente próximo do salvador. Seus ouvidos ouviram sua majestosa voz, seus olhos contemplaram sua face. Ele fora alimentado por Jesus quando da multiplicação de pães e peixes e vislumbrou o poder de Jesus em muitos milagres que realizara. Aquilo que o Senhor manifestou aos doze, não excluiu Judas, exceto da ministração da Santa Ceia, mas tudo realizou diante de seus olhos e ele fora participante. Recebeu a mesma instrução, os mesmos estímulos, a mesma promessa, mas nunca fora transformado pela verdade de Jesus (Jo 8.32,36). Talvez como ele, Simão, o Zelote, como vimos no texto anterior, também tenha passado a seguir Jesus por motivos pessoais. Mas diferente daquele, este nunca, em momento algum da caminhada, rendeu-se ao senhorio de Jesus. Ao contrário, cometeu o mais baixo dos atos humanos, vendendo o Senhor por míseras trinta moedas de prata. Hoje em dia, alguns ainda o vendem, mas por um valor bem maior do que este[3].
Por outro lado, a história de Judas nos mostra claramente a soberania do nosso Deus e nos revela o mistério da relação desta com a responsabilidade humana. Judas, o traidor – como todos os evangelhos fazem questão de mencionar ao citá-lo – foi uma peça fundamental para cumprir o eterno propósito do Senhor Deus (Sl 41.9), mas era responsável por seu – odioso – ato de violência contra o Senhor dos senhores (Mt 26.24). Nesse aspecto, a CFW ajuda-nos a entender essa relação ao declarar:
Desde toda eternidade e pelo mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou a contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.[4]
Deus se utiliza das circunstâncias para estabelecer e cumprir seus planos, não sendo o autor do mal, o que torna o homem inteiramente responsável por ele, mas isso não cria um problema ao Senhor. Ele soberanamente orquestra e conduz todas as coisas. Afinal, o Senhor “tudo pode e nenhum dos seus planos podem ser frustrados” (Jó 42.2).
Vejamos, agora, todas as informações que as Escrituras nos trazem sobre Judas:
1 – SEU NOME
Judas era um nome comum, como já salientado no texto anterior, quando falamos de Judas Lebeu Tadeu. Seu nome é outra forma para o nome “Judá”, que significa “YWHW Conduz”, indicando que, provavelmente, ao nascer, seus pais esperassem que ele fosse conduzido por Deus.
Diferentemente do que pensamos, a informação que vem adicionado ao seu nome não é seu sobrenome, mas sua identificação. Iscariotes é derivado do termo hebraico “ish” (homem) e “Queriote”, nome da cidade de que ele veio. Esse nome então, Iscariotes, significava “Homem de Queriote”. Queriote–Hezrom (Cf Js 15.25) era uma cidade ao sul da Judeia, o que confere a Judas, o posto de ser o único dos discípulos que não eram da Galiléia[5].
Diferentemente dos demais discípulos que já se conheciam porque eram irmãos, amigos ou colegas de trabalho, Judas era uma figura solitária, sombria, que não conhecia os demais, vindo de longe e passou a pertencer ao grupo mais íntimo de apóstolos.
Havia pouca familiaridade entre os discípulos e Judas. Isso favoreceu os desígnios do coração corrupto dele. Como desconheciam sua família, sua origem e os costumes, seria fácil de agir hipocritamente e dissimular entre seus companheiros. E conseguiu enganá-los. Tanto que chegou ao posto de  tesoureiro do grupo e usou essa função para roubar dinheiro dos seus amigos (Jo 12.6).
Sua hipocrisia e fingimento eram tão convincentes que, quando Jesus predisse que um deles trairia O trairia, nenhum houve que levantasse suspeitas sobre Judas (Mt 26.22-23). Nem quando o Mestre disse que seria quem metesse a mão com Ele no pão, e tendo Judas feito isso, não houve quem sequer pudesse supor que aquele era, de fato, o filho da perdição.
2 – SEU CHAMADO
Nenhum dos evangelhos relata como se deu o chamado de Judas. Assim como os demais discípulos que formam seu grupo, apenas temos o registro de seu nome nas listas e, se não fosse pela traição e ambição de seu coração, talvez também não houvesse nenhum registro de palavra sua sendo transcrita.
Ao que tudo indica, ele seguiu a Jesus de maneira espontânea, sem nenhum chamado especial ou diferente, como fora o caso dos irmãos Pedro e André, ou como Filipe e Natanael. Ele ouvira falar do Messias, era um profundo conhecedor do AT e por isso, ao se deparar com Jesus, estava convencido de que aquele era de fato o Messias prometido. Quando os discípulos de Jesus começaram a abandoná-Lo por sua pregação (Jo 6.66-71), Judas permaneceu com seu grupo dos doze. Ele também havia abandonado tudo o que fazia para seguir a Jesus, como os demais. Possivelmente ele fosse um jovem zeloso que esperava a redenção civil de Israel, como Simão, o zelote, antes da conversão. Mas, diferente daquele, este permaneceu com seu coração ainda preso a este pensamento, o que lhe causou um descontentamento com a figura do Messias que havia em sua frente e o movendo a traí-Lo. Judas escolheu seguir a Jesus, mas jamais o recebeu de fato.
Quando observamos a situação da escolha de Judas como um dos doze, fica clara a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana. De fato, como todos os demais discípulos, Judas “escolheu” seguir a Jesus de “livre espontânea vontade”. Mas, assim como os demais, Judas também fora, antes de tudo, escolhido por Jesus (Jo 15.16). Os demais, para a glória do Cordeiro de Deus, este para a vergonha. Aqueles para a honra, este para a desonra (Rm 9.19-29).
Jesus também havia escolhido Judas, mas para cumprir as profecias sobre a traição (Sl 49.9; Jo 13.18; Sl 55.12-14; Zc 11.12-13; Mt 27.9-10). Jesus o escolhera para ser o traidor, mas Judas traiu a Jesus por livre e espontânea vontade de seu coração, por isso é o traidor e unicamente responsável pelo seu próprio pecado. Por isso, em momento algum Judas foi coagido a agir como agiu, mas o fez porque quis e escolheu agir. Traiu sem nenhuma ação sobrenatural movendo-o a isso, apenas pelo desejo e cobiça do próprio coração. Isso é algo que sempre vai martelar nossa limitada consciência e lógica. Mas a história de Judas mostra a relação constante entre uma e outra verdade.
Humanamente falando, Judas teve tantas oportunidades de mudança e abandono de pecados como qualquer outro discípulo de Jesus teve. Ouvira as lições dos santos lábios do Senhor, presenciou seu poder e a feitura de milagres como qualquer um dos demais e ainda escutou os apelos do Mestre para mudança de vida, em todos os momentos em que as Escrituras narram. MacArthur nos ajuda, dizendo:
Muitas dessas lições se aplicavam diretamente a ele [Judas]: a parábola do administrador infiel (Lc 16.1-13); a mensagem sobre a veste nupcial (Mt 22.11-14); e as pregações de Jesus contra o amor ao dinheiro (Mt 6.19-34), contra a ganância (Lc 13.13-21) e contra o orgulho (Mt 23.1-12). Jesus chegou a dizer explicitamente para os doze: “Um de vós é o diabo” (Jo 6.70). Ele os acautelou com um ai sobre a pessoa que o traísse (Mt 26.24)[6].
Mas nada disso adiantou. Em momento algum Judas abandonou a farsa ou foi tocado pelas palavras do Mestre[7].
3 – SUA DESILUSÃO
Ao longo da caminhada com Jesus, e depois de ouvi-Lo tanto em seus ensinos, Judas fora completamente desiludido com a figura que esperava do Redentor de Israel. É bem possível que os demais iniciaram sua caminhada com a mesma visão a respeito do Messias, haja vista que eles conheciam as profecias a respeito do Rei de Israel, descendente de Davi, que assentar-se-ia sobre o trono. Mas, enquanto os demais abandonaram essa ideia e creram em Jesus, Judas permaneceu com o ideal messiânico em sua mente e isso o impediu de ver além do que seus olhos viam e, como Simeão, enxergar a redenção de Israel (Lc 2.25-35). Ele apegou-se a imagem que construíra a respeito do Messias e, vendo que a pregação de Jesus não os movia a uma libertação do império romano, mas sim a uma libertação da religiosidade judaica, seu coração se entristeceu muito.
Os poucos momentos em que os evangelhos fazem menção de Judas, sugere o aumento da amargura em seu coração. A cada dia que se passava ele estava mais e mais decepcionado com a pregação de Jesus por não satisfazer suas ambições pessoais. Judas “continuava incrédulo, impenitente e irregenerado[8]. Ao passo que, quanto mais sua desilusão crescia, mais seu rancor aparecia e isso se tornou em ódio e obstinação para matar o Messias, o que o levou à traição, pois Jesus o havia levado a gastar cerca de dois anos ouvindo-O para, finalmente, não atender em nada suas expectativas. Judas, então, tornou-se o monstro que era por dentro, quando seus pensamentos culminaram na mais vil atitude de traição.
4 – SEUS PECADOS
Como já dissemos anteriormente, os demais discípulos foram trabalhados, lapidados e transformados por Jesus no decurso de Sua caminhada. Entretanto, Judas permaneceu de fora dessa realidade, não sendo transformado pelo Senhor Jesus, muito embora tenha testemunhado tudo o que os demais também testemunharam. A cada dia que passava ao lado do Mestre, a verdadeira Luz, as trevas em seu coração eram mais e mais aparentes (Jo 3.16-21). Vejamos como cada um de seus pecados foram aflorando ao longo da jornada:
4.1 – SUA AVAREZA
Logo depois da ressurreição de Lázaro, temos o episódio em que uma mulher unge os pés de Jesus em Betânia. Essa era Maria, irmã de Lázaro e de Marta. Jo 12.1-8 mostra-nos bem esse episódio.
Maria, cuja família era de posses, jogou uma quantidade imensa de perfume nos pés de Jesus ao ungi-lo. Judas, o avarento e hipócrita, reclama dizendo que aquela quantidade poderia ter sido vendida por cerca de 300 denários. Um denário era o salário de um dia de trabalho de qualquer trabalhador. Logo, descontando os sábados e feriados, 300 denários correspondia ao salário anual dos trabalhadores em Israel. Judas reclama dizendo que deveria ser dado aos pobres o valor da venda do perfume, Mas João deixa claro que ele queria roubar o dinheiro, como sempre tinha o costume de fazer. Em Mt 26.8 temos a impressão de que os demais concordaram com ele quando reclamou, hipocritamente, falando em ajudar aos pobres. Ele havia se tornado perito em fingir, e era convincente!
Jesus responde brandamente a Judas, mas sua ambição alcança níveis imensos e ele, imediatamente, anda cerca de 2,5Km até Jerusalém, onde vende à Jesus pelo valor de um escravo: Trinta moedas de prata (Mt 26.14-16; Ex 21.32) e não mais que isso.
4.2 – SUA HIPOCRISIA
Logo após a venda de Jesus por míseras 30 moedas de prata, Judas volta e reagrupa-se aos demais. Nesse instante, começa o longo relato de João sobre a noite em que Jesus fora traído (Jo 13.1). Nesse evento temos o relato da lição de humildade que Jesus ensinou aos seus discípulos, antes de animá-los com a vinda do consolador e da instituição da Santa Ceia.
Nesse primeiro texto, em que Jesus lava aos pés dos discípulos, vemos um contraponto de Jesus. Enquanto Judas estava certo de traí-lo, o mestre assentou-se e lavou seus pés. Qualquer outro teria se recusado a fazê-lo, teria esbravejado e expulsado Judas de sua presença. O mestre, contudo, lavou seus pés assim como fizera aos demais.
Daquele momento em diante Jesus começou a tornar claro que um deles o trairia (Jo 13.10,11,18,19,21,23-30) Mas nenhum deles sequer desconfiou de Judas.
Note-se que Jesus apenas celebra a Santa Ceia após a retirada de Judas. Isso porque o momento santo não pode ser feito na presença da hipocrisia ou com satanás penetrando os corações daqueles que se assentam diante Dele. Por isso Paulo, em 1Co 11.23-30, deixa claro que é para o homem examinar a si mesmo antes de tomar assento à mesa do Senhor. Um momento puro e santo não pode ser feito com pessoas hipócritas e malignas como Judas[9].
4.3 – SUA TRAIÇÃO
Após deixar o recinto onde Jesus estava, Judas foi diretamente ao Sinédrio encontrar-se com os anciãos para descrever que o momento oportuno havia chegado.
Judas, que alimentara seu ódio constante pelo Senhor, agora caminhava para concluir seu ato mais vil: entregar o Santo de Israel nas mãos de homicidas para vem seu fim! Judas conhecia a Jesus e isso deu-lhe tempo suficiente para arquitetar a traição no monte em que Jesus costumava ir orar. Aquela seria a ocasião perfeita e o momento perfeito para tal ato. Enquanto Jesus instituía a Santa Ceia, Judas maquinava o momento exato para entregá-Lo aos seus opositores que O tinham odiado e o odiariam até o fim.
Quando Jesus havia ido orar, como costumava fazer, Judas dá cabo à sua traição e, com um beijo, ele entrega Jesus para ser morto pelos pecadores. Naquele instante, “Judas profanou a Páscoa. Profanou o Cordeiro de Deus. Profanou o Filho de Deus. Profanou o lugar de oração. Traiu seu Senhor com um beijo[10].
5 – SUA MORTE
Judas sentiu remorso pelo que fez (Mt 27.3-4). Não havia nele arrependimento, tanto que não busca perdão, mas seu ato culmina em seu suicídio pelo que acabara de fazer.
Enquanto os demais haviam morrido por amor ao Evangelho e à Cristo, Judas se mata pelo remorso do que fez, por não ter amado a Jesus e por não ter sido tocado pelo Seu poder como fora os demais.
Judas não clamou por misericórdia, não clamou por perdão e nem viu-se como faltoso diante de Deus. Seu coração agora o cobrava por seu peso de consciência, mas não o compeliu a ir ter com o Grande Deus Todo-Poderoso em oração, como aprendera tantas vezes com Jesus.
Atos 1.15-26 diz-nos algo mais sobre o fim de Judas, o que não contradiz os relatos dos evangelhos. De fato, com o dinheiro que Judas atirou aos sacerdotes pelo preço de sua traição, eles usaram para comprar o campo em que se enforcara, o que o fazia literalmente seu dono. Judas enforcou-se no galho duma árvore que ficava sobre uma pedra pontiaguda, o que fez com que, ao enforcar-se, com o peso de seu corpo, caísse sobre a rocha e fosse partido no meio, morrendo de forma horrenda e trágica. Sua morte foi a altura de sua traição.
6 – LIÇÕES TIRADAS DA VIDA DE JUDAS
1.    Ele foi um exemplo trágico de oportunidades desperdiçadas. Ele teve a mesma oportunidade dos outros onze, mas não aproveitou nenhuma e nem atendeu às lições ministradas por Jesus.
2.    Ele é um exemplo de privilégios desperdiçados. Ele alcançou, dentre os doze, um lugar de honra e privilégio: era o tesoureiro do grupo. Contudo, trocou a honra que lhe fora concedida por 30 moedas de prata e pela traição. Não soube aproveitar o lugar em que Jesus lhe colocou.
3.    Ele é a ilustração perfeita de como amar o dinheiro pode ser desastroso (1Tm 6.10)! Acima da sua dedicação ao Mestre estava seu apego ao dinheiro e isso inevitavelmente o fez servir às riquezas e levou-o à morte. Ele ilustra bem o ensino de Jesus de que é impossível servir a dois senhores.
4.    Ele exemplifica a hipocrisia espiritual. Ele não foi o único a se voltar contra o Senhor. Em todas as eras há pessoas das quais nosso testemunho seria de sua fidelidade e apego ao Mestre, mas, no fundo, são ambiciosas e abandonam ao Senhor e se voltam contra Ele, sentindo-se desfavorecidos por não terem alcançado seus objetivos. Não desejam a vontade do Mestre, mas a perpetuação de sua própria.
5.    Judas é a prova de que Cristo é misericordioso, pacífico, longânimo e assaz benigno. Mesmo sabendo que era o traidor, o Mestre cuidou, exortou, ensinou e demonstrou seu poder e amor. Definitivamente, Cristo é rico em perdoar (Is 55.7; Ef 2.4)!
6.    Ele é a prova de que tudo quanto Deus decreta, acontece! Num primeiro momento, sua traição poderia aparentar que os planos de Deus estavam frustrados! Jesus estava sendo morto. Mas desde a eternidade este fato estava decretado por Deus e o que parecia a vitória do maligno, tornou-se sua derrota eterna e a vitória suprema do Deus Todo-Poderoso.
CONCLUSÃO
A Vida e trajetória de Judas foi uma grande tragédia. Longe de sê-lo ao Senhor, foi uma tragédia em sua própria vida e nos planos de satanás. Ele teve o que ninguém mais teve em termos de privilégios, viu o que nenhum de nós viu ou ouviu fisicamente, mas fez o que havia de pior, tornando-se semelhante – ou até pior – que aqueles que condenaram o Mestre, bateram, escarneceram, humilharam e o crucificaram. Judas foi o pivô dessa sessão aparente de tortura ao Senhor, mas que, na verdade, era a exposição máxima de seu amor e misericórdia pela humanidade e a vitória do Reino de Deus sobre o reino do maligno.
APLICAÇÃO
Caro leitor quantas importantes advertências temos na trajetória deste discípulo! Se todos nos servem de inspiração a serem imitados, Judas torna-se nossa mais terrível advertência e lembrete de como não devemos ser e agir.
Aprenda a aproveitar as oportunidades que Cristo lhe concede. É bem possível que haja pessoas há tanto tempo na Igreja, ouvindo sobre Jesus, mas jamais foram tocados por Ele e por Sua Palavra! Ore para que Cristo lhe dê um coração sensível para ouvir Sua terna voz e repreensão, sempre!
Aprenda a aproveitar as funções que Cristo lhe deu em prol do reino! E isso não tem a ver com a Igreja apenas, no que diz respeito aos cargos. Aprenda a utilizar tudo o que o Senhor lhe deu: emprego, família, amigos, estudos, lazer, etc., sempre em função do Reino de Cristo. Aproveite bem essas oportunidades.
Não seja hipócrita diante de Deus. Embora as pessoas apenas vejam a sua aparência, Cristo conhece o Seu coração. E isso não deve ser motivo para entregar-se à apatia espiritual. Isso é motivo para que você busque concerto diante de Deus para ser encontrado firme, fiel e preparado no Grande Dia de Cristo!
Reavalie o que tem feito você buscar ao Senhor. Muita gente há que ainda busque a Deus por ambição pessoal e isso causa-lhes frustração e desejo de romper com a caminhada e desistir de tudo, inclusive de Deus. É preciso que busquemos ao Mestre pelos motivos certos: sua grandeza, glória, salvação e Reino. A parte disso, viverás frustrado e vais abandonar a carreira.
Vigie. Judas deixou-se ser dominado, influenciado e tomado pelo maligno, pois não estava em constante comunhão com o Mestre e em oração. Foi presa fácil, alvo fácil para satanás. Lembremos de que ele não precisou deformar o rosto ou a voz, nem mesmo cair no chão contorcendo seu corpo quando estava endemoninhado. Apenas ausentou-se da mesa de Cristo e foi vende-Lo como escravo e traí-Lo. Você pode estar deixando satanás manipular seu coração e sua vida, sem se dar conta. Vigie e ore!
Faça como o poeta e incentive-se e também aos irmãos na fé quanto a “Vigilância e Oração[11]” e ore ao Senhor suplicando graça e misericórdia por sua vida e pela vida de seus irmãos em Cristo.
1 Bem de manhã, embora o céu sereno
Pareça um dia calmo anunciar,
Vigia e ora: o coração pequeno
Um temporal pode abrigar.
Bem de manhã e sem cessar,
Vigiar e orar!
2 Ao meio dia, quando os sons da terra
Abafam mais de Deus a voz de amor,
Recorre à oração, evita a guerra,
E goza paz com o Senhor.
3 Do dia ao fim, após os teus lidares,
Relembra as bênçãos do celeste amor
E conta a Deus prazeres e pesares,
Depondo em suas mãos a dor.
4 E sem cessar, vigia a todo instante,
Pois o inimigo ataca sem parar;
Só com Jesus, em comunhão constante,
Podemos sempre descansar.
(A.H. da Silva)



[1] Extraído e adaptado de MACARTHUR, JOHN. Doze homens comuns: a experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. 2011: São Paulo. Editora Cultura Cristã. 2ª ed.
[2] Leituras recomendadas: D – Mt 6.5-8Não ore como Hipócrita; S – Mt 6.24Não sirva a dois senhores; T –Mt 7.15-23Há falsos profetas entre nós; Q – Mt 8.18-22Seguir a Jesus é um desafio; Q – Jó 42.2Nada muda os planos de Deus; S –Rm 9.19-29Deus escolhe vasos de honra e desonra;S – 1Jo 3.1-6Filhos de Deus vs Filhos do maligno.
[3] Quando satanás encheu o coração de Judas ele mercadejou o Senhor. Pedro, consciente disso, em sua carta, ensina que os que mercadejam a fé serão lançados no inferno de fogo (2Pe 2). Isso não tem a ver com o dízimo, cujo ensino e prática, é defendido pelas Escrituras (Gn 14.20; Lv27.30-32; Nm 18.21; Dt 14.22; Ml 3.8-10; Pv 3.9-10; Pv 11.24; Mc 12.41-44; At 4.32-5.11; Hb 7.1-10; 2Co 9.7). Isso tem a ver com a comercialização da fé em todos os aspectos: venda de objetos “ungidos”, orações, objetos sagrados e afins. O Dízimo corresponde a 10% do que se recebe. Ademais disso, pode ser dado como oferta voluntária e não como obrigação. Oferta por coação ou indução é a prática igualmente condenada em 2Pe 2.
[4]DOS ETERNOS DECRETOS DE DEUS. Capítulo III.I da Confissão de Fé de Westminster
[5]MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed. Pp 174.
[6] Ibid. Pp. 177
[7] Ibid.
[8] Ibid. Pp. 178
[9] Sobre essa questão, leia: http://refletindoparaavida.blogspot.com.br/2015/09/voce-esta-apto-participar-da-mesa-do.html
[10] MACARTHUR, JOHN. Doze homens comuns: a experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. 2011: São Paulo. Editora Cultura Cristã. 2ª ed.
 Pp. 184
[11] Nº 129 do Hinário Novo Cântico, da Igreja Presbiteriana do Brasil.