quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Tomé - O pessimista


INTRODUÇÃO (Texto Base: Jo 11.16)[1][2]
Tomé, o último apóstolo do segundo grupo de discípulos mais próximos de Jesus, é erroneamente chamado de descrente. Essa característica não faz jus ao seu caráter, haja vista que ele não era necessariamente descrente, mas sim, pessimista. Tomé era uma pessoa negativa. Ele é o típico ser que pensa demais em tudo, só que sempre enxergando o lado negativo dos fatos, esperando sempre pelo pior.
Pouco sabemos a respeito dele. Os evangelhos registram seu nome na listagem que fazem dos doze discípulos e, apenas o evangelho de João, nos fornece um pouco mais de detalhes sobre sua personalidade. A primeira menção que faz de seu nome está registrado no texto base desse texto. Ele era chamado de Dídimo, que significa “algo formado em duas partes” ou “Gêmeo”[3], significando, então, que ele possuía um irmão ou irmã. Sobre sua família, é o máximo que podemos inferir com base nos relatos sacros.
Nada se sabe sobre o local de sua origem, exceto de que também provavelmente fosse galileu, como os seus companheiros de missão. Mas os autores bíblicos, divinamente inspirados por Deus, omitiram essas informações, relatando apenas o seu nome e listando-o como um daqueles que entregaram-se ao Senhorio soberano de Jesus. E, nas mãos de Jesus, mesmo este homem extremamente pessimista, era um poderoso instrumento nas mãos do Redentor[4].
1 – A VERDADEIRA CORAGEM DE TOMÉ
Tomé é mencionado fora da listagem dos doze, pela primeira vez, em Jo 11.16. Este único versículo nos diz muito sobre o verdadeiro caráter dele, embora também demonstre seu pecado e sua luta por vencer seu próprio negativismo por confiar em Jesus e entregar-se a ele.
No contexto desse verso, João relata os acontecimentos que envolveram a morte e ressurreição de Lázaro. Jesus havia se retirado de Jerusalém, pois sua vida ali estava correndo risco, haja vista o intento dos líderes da época para prendê-lo e mata-lo. Jesus havia ido ao deserto onde João, o Batista, estava acostumado a pregar anteriormente e seguiu ali pregando as Boas Novas do Reino e muitos lá creram Nele (Jo 10.39-42). O ódio em Jerusalém contra Jesus e contra seus seguidores era cada vez maior. Os principais líderes das seitas judaicas haviam se unido em torno do propósito de prendê-lo e mata-lo. Como ainda não havia chegado o momento do Messias ser entregue nas mãos dos pecadores e ser por eles morto ele, então, retira-se. E lá, enquanto anunciava o arrependimento para remissão de pecados, fora interrompido pelo recado enviado pelas irmãs Marta e Maria (Jo 11.1-2), que residiam em Betânia.
A família dos irmãos Lázaro, Maria e Marta alcançou uma profunda afeição por parte de Jesus. Como Betânia era próxima de Jerusalém, Ele havia se hospedado muitas vezes com aquela família que também havia suprido suas necessidades em alguns momentos. Eles tinham acesso ao Salvador e, por isso, quando estavam diante da dura realidade da enfermidade, não mediram esforços e dirigiram-se imediatamente ao Senhor submetendo-lhe aquela situação por meio da triste notícia, pois sabiam que se Jesus estivesse ali, teria poder suficiente para curar Lázaro.
Esse cenário compunha um dilema particular ao grupo. Betânia era tão próxima de Jerusalém que, de lá, era possível ver o que acontecia naquela vila. A hostilidade crescente contra Jesus favorecia uma conspiração e, agora, se ele voltasse para socorrer aqueles irmãos, seria o momento propício para executar o plano vil de tirar-lhe a vida. E Jesus não relutou, mas decididamente resolveu ir até lá, esperando apenas mais dois dias para que Lázaro pudesse, efetivamente, morrer e então, Cristo, manifestar sua grandeza e glória.
Quando Jesus lhes disse que aquela doença não seria para morte, mas sim para a glória de Deus, os discípulos certamente ficaram aliviados. Isso não porque esperavam a morte ou ressurreição de Lázaro, até porque Jesus diz tais e tais coisas antes da morte propriamente dita, chegar a ele. Os discípulos, ainda assim, quando Jesus decide ir até Betânia, exclamaram: “Os judeus procuram apedrejar-te e ainda agora queres voltar para lá?” (Jo 11.8). Parecia uma insanidade aquilo que o Mestre decidira fazer. Mas Jesus lhes responde com uma parábola, para deixar claro a eles que não deveriam ir e fazer aquilo escondido, pois estavam diante da própria luz (11.9-10). Não seriam eles que iriam tropeçar, mas sim aqueles que decididamente levantassem-se contra Ele naquele momento.
O Senhor dá uma verdadeira lição aos seus discípulos, expondo perante eles a incredulidade típica de seus corações. Ele, então, decide ir até lá para manifestar a glória de Deus, mesmo sabendo do iminente perigo que corria. É nesse contexto que João registra as palavras de Tomé, e é a primeira vez em que ele aparece separadamente dos demais, e revela o que estava em seu coração.
Suas palavras foram, de fato, negativas e pessimistas. Ele diz aos seus companheiros “vamos também nós para morrermos com ele” (11.16). Um otimista teria pensado: “Bom, se Jesus disse que dará tudo certo, pois veremos a glória de Deus, vamos lá que nada há de nos acontecer”. Mas o pessimista, que apenas vê a tragédia em todas as coisas, estava certo de que encontrariam a morte ao final de sua jornada até o local onde estava Lázaro. Mas Tomé, o Dídimo, o pessimista, apesar da sua desconfiança típica, estava pronto para entregar a sua vida por causa de Cristo. E assim o fez. Apesar do medo e de esperar uma tragédia ao chegar à Betânia, seu coração não titubeou em nenhum momento, mas quis seguir a Jesus. A coragem de Tomé foi impressionante. Ele decidiu seguir a Jesus quando seu próprio coração lhe apontava os perigos. Mas seu amor pelo Senhor era tão imenso e intenso que era-lhe melhor morrer com Cristo do que viver sem ele.
2 – O AMO DE TOMÉ PELO SENHOR
O próximo momento em que João registra as palavras de Tomé estão registradas em Jo 14, quando o Mestre lhe fala sobre sua partida aos céus para preparar lugar. Já vimos este episódio partindo da visão de Filipe[5], mas agora o veremos a partir da visão de Tomé.
Este não era necessariamente incrédulo, mas pessimista, como já visto no tópico anterior. Quando Jesus anuncia sua partida para preparar lugar aos seus discípulos (Jo 14.2-3), ele também declara que eles conheciam bem o caminho para onde iria (14.3). Evidentemente que Jesus fala da sua partida dessa terra. Isso fica mais claro quando olhamos o texto anterior em que Jesus avisa a Pedro, o apóstolo que falava demais, sobre seu ato de negar ao salvador.
Naquele instante, quando Jesus declara sua partida para preparar-lhes lugar, Tomé faz uso da palavra para dizer “Não sabemos para onde vais; como saber o caminho?” (14.5). As palavras dele foram carregadas de significado. Na verdade, havia muito mais coisas ali presentes do que apenas incredulidade ativa e direta do coração. Seu amor pelo Senhor forçara-lhe a prestar tais declarações. MacArthur, falando desse momento, nos diz:
(...) Jamais chegaremos ao lugar para onde você está indo. Nem sabemos ‘como chegar lá’. De que maneira devemos proceder? O plano de morrer com você era melhor porque, assim, não nos separaríamos. Se morrêssemos juntos, permaneceríamos juntos. Mas, se você partir, como vamos encontra-lo? Nem sequer sabemos o caminho”[6]
Seu amor pelo Messias era imenso de modo que pensar em separar-se Dele era demais. Na sequência, Jesus declara que, de fato, ele conhecia o caminho, pois era Ele próprio. Desse modo, todos sabiam para onde iriam e como iriam. Iriam para o Pai e iriam por meio de Jesus, mas ainda não era chegada a hora. Tomé não duvida de que Jesus, de fato, iria preparar lugar para eles. Ele não duvida que Jesus voltasse para busca-los. O problema é quando tais coisas ocorreriam. Jesus responde-o mostrando que era preciso fé e conhece-lo de fato para que pudessem chegar ao Pai e ser, por Ele, conduzidos.
3 – A CONFISSÃO DE TOMÉ
O próximo evento narrado por João, e que envolve diretamente a Tomé, está registrado em Jo 20, logo após a ressurreição de Jesus. Nela vemos um contraste interessante entre uma confissão pessimista e uma confissão vívida e fervorosa procedentes de um mesmo homem.
Logo após a aparição de Jesus a Maria Madalena e as demais mulheres, os discípulos estavam reunidos no cenáculo, com portas trancadas, temendo o que poderia ocorrer com eles. Jesus manifesta-se ali entre eles, mas Tomé não estava com o grupo. Como qualquer pessoa pessimista, ele estava solitário, curtindo sua tristeza e amargurado com seus pensamentos e frustrações. Chorava a morte do Senhor, como os demais, mas separadamente. Ao ser informado de que Jesus aparecera ao grupo, ele traz sua primeira confissão, a de pessimismo e incredulidade, dizendo que só acreditaria naquela aparente insanidade se tocasse as marcas dos cravos nas mãos de Jesus e visse a ferida feita pela lança. Como era possível tamanha falta de fé? Lembremos que ele não foi o único a duvidar, tanto que os demais também não creram quando as mulheres lhe contaram sobre a ressurreição de Jesus. Por isso, chama-lo de incrédulo somente por isso é uma injustiça. Mas sua declaração em resposta ao que os demais acabaram de lhes contar era algo deveras forte. Era mais fácil pensar na possibilidade de uma ilusão coletiva do que pensar na possibilidade de Jesus realmente ter aparecido diante deles. Tanto que ele não mediu palavras para expor seu pensamento e dizer que somente creria se suas mãos tocassem e seus olhos, efetivamente, o vissem.
Dias depois, quando estavam todos reunidos novamente no cenáculo e, desta feita, Tomé estava presente, Jesus manifestou-se diante deles mais uma vez, mesmo com as portas trancadas, pois o medo ainda estava tomando conta do coração deles.
Jesus saudou-os ordenando a paz (Jo 20.26). Imediatamente, sem que ninguém, muito menos Tomé, tenha lhe dito palavra alguma, ele ordena que Suas mãos e Seu lado sejam tocados por este discípulo. Ninguém sabia o que tais palavras provocariam, exceto Jesus, que conhece nossas fraquezas e delas se compadece (Hb 4.15; Jo 2.25) e o próprio Tomé. Diante das palavras de Jesus, não foi preciso dizer mais nada e nem foi preciso toca-lo para que este reconhecesse quem estava diante de seus olhos. É nesse momento que vemos a sua segunda confissão, desta feita de uma imensa e intensa fé: “Senhor meu e Deus meu!” (Jo 20.28). Tomé reconhece ser aquele, o amado de sua alma, o Senhor de sua vida, o Deus verdadeiro, aquele que nos mostrou a glória do Pai nos possibilitando vê-la. Seu pessimismo fora superado. Agora, havia nele uma resoluta confiança e fé.
4 – SUA MORTE
Existem muitos relatos quanto a sua morte. Mas a tradição mais confiável diz que ele morreu ferido por uma lança, na Índia, onde levou o evangelho em sua vida, até ser morto como mártir. Uma morte apropriada para um homem que alcançou a maturidade na fé quando teve a oportunidade de ver e tocar a marca da lança que atravessara o lado de Jesus.
Em sua morte, este que não poderia viver longe de seu Senhor, foi beneficiado morrendo por um ferimento tão significativo em sua memória e, assim, podendo estar novamente ao lado do Senhor, indo para as moradas celestiais, onde Jesus fora preparar lugar. Ele, de fato, foi após o mestre sabendo onde Ele estava e como chegar lá.
CONCLUSÃO
Tomé foi, de fato, um grande discípulo do mestre e bem diferente de como a tradição popular nos faz vê-lo. Ele não era grosseira e necessariamente incrédulo. Ao contrário, houve momentos em que ele até agiu de maneira mais crédula que os demais. Ele não foi covarde diante dos desafios. Ao contrário, mesmo vendo o lado negativo dos fatos, deve coragem de seguir Jesus até a morte se fosse necessário, e encontrou-a, não em Betânia, mas na Índia, enquanto pregava o evangelho de Jesus. Foi na morte, e não na vida que ele encontrou-se, definitivamente, com o mestre.
APLICAÇÃO
Existem pessoas não muito diferentes de Tomé, no que diz respeito a serem negativistas. Pessoas que sempre enxergam o anuncio da tragédia até na proclamação da glória e vitória. Pessoas assim precisam da graça de Deus para superar seu pessimismo e viverem de acordo com a vontade de Deus e lutarem por ela, ainda que sua mente e coração digam que é uma completa loucura. É nesse momento que faz sentido cantar “não olho circunstâncias, não, não, não. Olho seu amor, seu imenso amor, não me guio por vistas, alegre estou![7]. Lute para que você não seja guiado (a) pela força das circunstâncias e busque crer em Deus de forma que possas orar e cantar como Habacuque no fim de seu livro:
Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação. (Hb 3.17,18)
Não confunda pessimismo com falta de fé. Nem sempre as ações de Tomé foram apenas falta de fé, ao contrário, quando conclamou os demais a irem à Betânia, ela sabia que era melhor morrer com Cristo a viver sem ele. Ele creu em Sua mensagem. Por isso, não trate como falta de fé por parte dos outros ou de sua parte, mas encare a realidade de que você precisa da graça para se livrar desse pessimismo e confessar o mesmo que Tomé diante do Senhorio de Jesus! Ore para que haja, de fato, uma mudança e libertação da sua parte e da parte daqueles que procedem assim. Como o poeta, exclame a firmeza na fé[8] que tens no Senhor Jesus!
1 Somente ponho a minha fé
Na graça excelsa de Jesus,
No sacrifício remidor,
No sangue do bom Redentor.
A minha fé e o meu amor
Estão firmados no Senhor,
Estão firmados no Senhor.
2 Se não lhe posso a face ver,
É pela fé que vou viver;
Em cada transe a suportar
Eu hei de nele confiar.
3 A sua graça é mui real,
Abrigo traz no temporal;
Ao vir cercar-me a tentação,
Me fortalece sua mão.
4 Quando a trombeta ressoar,
Irei com ele me encontrar;
E com os salvos cantarei
Louvor eterno ao grande Rei!
(E. Mote – F. C. B. da Silva)



[1] Adaptado de MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed.
[2] Leitura semanal recomendada: D – Hb 11.1-3 O que é a fé; S – Jo 11.1-27 Cristo, a verdadeira vida; T – Jo 11.28-44 Vendo a glória de Deus; Q – Jo 14.1-15 Descansando em Cristo; Q – 1Rs 17.8-24 Confiando em Deus; S – Hb 12.1-3 Imitando à Jesus nas oposições; S – Jo 20.24-29 Bem-aventurados os que creram!
[3] MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed. Pp. 152
[4] TRIPP, Paul David. Instrumentos nas mãos do Redentor: pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação. São Bernardo do Campo: Nutra Publicações. 2012, 2ª ed. 472 p.
[6] MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed. Pp 156
[7] Letra completa disponível em: http://www.cifraclub.com.br/corinhos-evangelicos/essa-paz-que-eu-sinto/. Acessado em 28/07/15
[8] Nº 93 do Hinário Novo Cântico