sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Mateus - O coletor de impostos


INTRODUÇÃO (Texto Base: Mt 9.9)[1][2]

Como em todos os outros casos dos discípulos chamados por Jesus para seguirem-no mais diretamente, Mateus também não foi um homem de nobre nascimento ou de nobre função. Ele era filho de Alfeu e era Galileu, como os demais também eram, exceto Judas Iscariotes.
Como já visto anteriormente, a Galiléia não era uma região nobre. Ao contrário, era uma terra de gente comum, com atividades comuns e, algumas vilas, ainda eram mais insignificantes do que as demais. Poucas ficavam em rotas comerciais ou eram conhecidas por seu polo pesqueiro. MacArthur, comentando sobre a Galiléia, nos diz que “aquela região era predominantemente rural, sendo formada por cidades pequenas e vilarejos.[3]” As pessoas viviam dessas atividades e, por isso, eram, muitas vezes, rudes, ignorantes e iletrados (Cf. At 4.13). Os discípulos não foram exceção a essa regra. Eram igualmente incultos.
Matheus era uma pequena exceção a essa regra no que diz respeito a ser inculto. Como ele mesmo se identifica (Mt 9.9), ele era coletor de impostos, isto é, publicano. Os publicanos eram israelitas que serviam ao império romano, cobrando impostos absurdos dos seus pares. Por isso, eram vistos como traidores pelos seus próprios compatriotas. Para que pudessem exercer essa função, os publicanos precisavam ser alfabetizados e aprenderem um pouco de matemática para fazer as contas e somatórias.
É interessante o fato de que, entre aqueles que o seguiriam com maior proximidade do que todos os demais discípulos – referimo-nos às grandes multidões que o seguiam – Jesus ter escolhido pessoas tão diferentes e comuns. Aliás, é ainda mais interessante que, entre as características pessoais dentre eles, Jesus tenha escolhido um falastrão; um “fantasma” dos bastidores; alguém que, jovem, era impetuoso, mas aprendeu o valor do equilíbrio e do amor; um que era santarrão e pouco misericordioso; um que se apegava às circunstâncias e limitava a ação e poder de Deus; um que era preconceituoso, porém sincero; um traidor; um incrédulo; outro, cobrador de impostos. O grupo que Jesus selecionou para ensinar diretamente e para representa-lo na continuidade da missão após sua ascensão era formado pelas pessoas cuja probabilidade de obter sucesso era quase nula. E o fato de Mateus estar inserido nesse grupo era algo tão fantástico quanto. O inimigo natural de Israel, um traidor da pátria, alguém que trocava o orgulho nacionalista israelita pelo dinheiro e pela alta posição diante dos demais judeus era algo impensável. Mas, como Jesus mesmo disse a respeito do seu ministério, não veio “para os justos, e sim para pecadores” (Mt 9.12-13; Mc 2.15-17).
1 – MATEUS, O PUBLICANO
Quando Jesus começou a chamar homens para serem seus seguidores e aprendizes, Ele não o fez com a casta dos proeminentes líderes religiosos judeus. A cegueira espiritual sobre si mesmos, aliados ao orgulho hipócrita que alimentavam os fizeram odiar ao Messias desde o começo. Não o odiaram por duvidar de seus milagres. O que Jesus realizava era incontestável. Embora em alguns momentos colocaram-no à prova, seus feitos eram reais e surpreendentes. Não havia como negar. O ódio que alimentavam contra Jesus era por sua mensagem. Jesus deixou claro que o homem era essencialmente mal, corrupto e precisavam se arrepender de seus atos. Isso era algo que fazia com que os líderes religiosos da época o odiassem extremamente. Eles eram vaidosos e orgulhosos demais para essa realidade. Por isso, Jesus decidiu chamar homens que se reconheciam pecadores.
De todos os discípulos de Jesus, é bem provável que nenhum se reconhecesse mais pecador do que Mateus. Ele era deliberadamente reconhecedor da sua condição, como qualquer publicano era. Sabia que, em se tratando de sua raiz judaica, era um traidor de sua gente e se vendiam ao estado, traindo sua própria consciência nacionalista e o ideal judeu da Antiga Aliança que explorava a ideia de que os eleitos e salvos como povo de Deus eram os verdadeiramente judeus. Como alguém poderia vender essa glória e trair a seus irmãos? Por isso, os publicanos sabiam bem que eram os piores pecadores (Cf. Lc 18.9-14; 19.1-10).
Interessantemente, quando Jesus chama Mateus para o seu grupo de seguidores mais próximos, os evangelhos, inclusive o dele mesmo, apenas apresentam a informação de que ele era publicano[4]. Não havia mais nenhuma característica que o destacasse, nenhuma outra qualidade ou mesmo informação a seu respeito. Tudo o que, sobre ele, precisavam saber é de sua origem como coletor de impostos. Nem mesmo em seu evangelho ele apresenta uma informação adicional. Tudo o que as gerações futuras precisavam saber é que Cristo o chamou dentre os mais improváveis, dentre os piores pecadores.
Em seu evangelho, Mateus relata em rápidas palavras como fora seu chamado (Mt 9.9-13). Este é o único momento em que, em seu evangelho, temos a inserção de seu nome nos relatos. Ele também preferia ficar à sombra dos eventos, deixando claro as ações, ensinos e também a mensagem de Jesus e as palavras e atitudes de seus companheiros de ministério. No texto em questão, nos é dito que Jesus estava com ele, Mateus, em casa, para participar de um delicioso banquete. Lucas deixa claro que foi um verdadeiro banquete oferecido a Jesus (Lc 5.27-29). Lá, estavam presentes pecadores e publicanos. Fato que chamou a atenção dos religiosos da época, fazendo com que Jesus deixasse claro para quem ele, de fato, veio.
2 – MINISTÉRIO DE MATEUS
Quando chamado por Jesus para ser seu seguidor, não houve relutância. Mateus não pestanejou (ao menos os evangelhos sinóticos não mostram relutância nesse aspecto), não titubeou, apenas levantou-se e seguiu-o imediatamente.
Tendo reconhecido a grandeza daquele momento e a importância da pessoa que estava diante dele, Mateus oferece-lhe um banquete, como era costume à época, para homenagear alguém de reconhecido prestígio ou que se quisesse prestigiar. Ao fazê-lo, Mateus não apenas envolve sua família no fato, mas chama outros homens, igualmente pecadores, para ajuntarem-se a Jesus. À semelhança de André que foi chamar a Simão, e Filipe que foi chamar a Natanael, Mateus também foi chamar seus amigos mais íntimos para leva-los até Jesus. Seu reconhecimento de quem ele era e de quem Jesus é fez com que se animasse a contar a todos que diante de seus olhos estava aquele que, sem acepção de pessoas pode alcançar e salvar a todos quantos estiverem doentes.
Ao que parece, não importa a origem pecadora, vil, baixa e cruel daquele que é chamado por Jesus. O que importa é o que faria a partir do momento em que é chamado por Ele. Mateus, imediatamente, abandona tudo o que fazia anteriormente, inclusive sua vida de traidor e roubador dos seus pares, e passa a ser um exímio anunciador do evangelho de Jesus, o que fez, inclusive, escrevendo um relato sobre as ações de Jesus e tudo o que envolveu sua vida, desde a sua genealogia, até a grande comissão, formada após sua ressurreição. Seu ministério foi levar pessoas aos pés de Jesus, desde que se converteu até aos dias de hoje, quando lemos o seu evangelho.
3 – O EVANGELHO DE MATEUS
Mateus, apesar de ser publicano, conhecia muito bem o antigo testamento e os ritos judaicos. A ideia de restauração do reino israelita é muito marcante nos seus relatos. Os receptores primários de seu evangelho eram judeus, que deveriam aprender que todas as profecias messiânicas do AT se cumpriam em Jesus, desde o momento do seu nascimento. Por isso, em diversos momentos, Mateus registra a expressão “para que se cumprisse as Escrituras”. A todo o momento ele usa seus relatos e faz uma referência direta entre as profecias e os fatos que ocorriam com Jesus.
Com a finalidade de mostrar que Jesus é da descendência de Abraão, figura importante para os judeus que alegavam ser seus filhos, e que era filho de Davi, portanto legítimo rei de Israel, não geográfica ou fisicamente, mas espiritualmente nos céus e na manifestação de sua segunda vinda, Mateus inicia o seu relato a partir da genealogia de Jesus, começando por Abraão. Diferente de Lucas, que mostra a descendência a partir de Adão, pois seu foco era outro, Mateus quer evidenciar que Jesus é realmente judeu, é realmente filho de Abraão e realmente a raiz de Davi, dono do trono eterno que lhe fora prometido (Sl 110). Essa é a introdução do evangelho. Jesus é aquele de quem as profecias falaram, o Ungido, o Messias, o Emanuel, aquele que tira o pecado do mundo (Jo 1.29).
Depois disso, Mateus mostra o tempo todo o tema do Reino dos Céus em seu evangelho e ampliando a aplicação da lei mosaica à realidade do reino de Deus. Isso se evidência no sermão da montanha, aos sinais realizados e as parábolas concernentes ao reino, seja para explicar sua existência em forma de comparação, seja com relação a sua manifestação final e vindoura. Mateus conhecia bem as profecias. Conhecia bem a didática judaica. Conhecia bem a dureza para crerem e, ao mesmo tempo, sabia que, aquele que estava diante de seus olhos e que, agora, o chamará era a redenção final de Israel.
Entre todas essas situações, especificamente no sermão da montanha, narrado por ele e por Lucas, em seus evangelhos respetivamente, apenas na descrição de Mateus nós encontramos lições de Jesus ligadas à prática da justiça, inclusive a justiça social (Mt 6.1-5), exortação quanto à pratica da oração sincera, livre de hipocrisias (6.5-8), ensino sobre o jejum (6.16-18), e a busca por acumular tesouros no céu (6.19-21), não podendo servi-lo juntamente ao serviço do SENHOR (6.24). Esses temas são bem presentes na religiosidade judaica e, no que diz respeito ao acumulo e uso indevido das riquezas, além de ser conhecidos do judeu, ainda pertenciam à prática cotidiana dos publicanos. Ao que parece, Mateus, enfatizou a aplicação da Lei de Deus, considerando suas próprias experiências nesse processo.
4 – A TRANSFORMAÇÃO DE MATEUS
Embora pouco se saiba a respeito desse apóstolo do Senhor, evidentemente que o que sabemos ajuda-nos a perceber a transformação que houve em seu ser. Mateus pertencia a uma das classes mais odiosas dos homens nos dias de Jesus. Como já dito, ele era um traidor da pátria, era visto como um miserável que estava distante não apenas do seu povo, mas também de Deus no que diz respeito à prática das cerimônias e sacrifícios estabelecidos pelo AT. A um publicano não era permitido a entrada no templo, ficando longe, no pátio reservado aos gentios, pois assim eram vistos[5]. Com isso, não podiam entrar no local reservado para oferecerem sacrifícios ao SENHOR pela sua própria expiação, como os demais.
Eram considerados os piores dos pecadores. Um publicano era ainda pior que um gentio, pois os gentios, na visão judaica, não pertenciam ao povo eleito por questões de nascimento. O infortúnio era não ter nascido judeu e isso, na visão da época, os excluíam da graça. Mas os publicanos, como Mateus, não eram assim. Eram vistos como os piores, pois eles decidiram ser publicanos, ou seja, decidiram ser traidores, mesmo sabendo do que ocorreria com tal classe de pessoas. Por opção profissional, decidiam ser considerados a escória da sociedade e afastarem-se do SENHOR. Amavam, muitas vezes, mais as riquezas que poderiam ser adquiridas por esta profissão do que ao zelo pelo Deus Todo-Poderoso.
No meio dessa questão está Mateus. Mas, interessantemente, os relatos dos evangelhos quanto ao seu chamado (Mt 9.9; Mc 2.13-14; Lc 5.27-28) não mostram uma relutância em atender ao chamado do Mestre. Ele foi decidido em abandonar tudo o que viveu até aquele momento e entregar-se verdadeiramente ao SENHOR. Porém, não foi apenas essa situação que o destacou, embora não haja menção alguma quanto à sua pessoa nos demais textos dos evangelhos e Atos. Diferente dos demais já estudados, cujas palavras denotaram uma dureza e manifestavam sua humanidade caída ao ponto de evidenciarem essas durezas de coração nas palavras e atitudes, em Mateus não vemos isso. Ele não titubeou quando foi chamado e nem em momento algum da sua caminhada com Jesus, exceto, claro, quando Ele fora preso e Mateus, junto dos demais, acompanharam a situação de longe. Mas, tirando esse momento de fraqueza, nenhuma outra fora registrada pelos evangelistas. Não que ele não as possuía, mas sua pronta decisão pelo Senhor e por viver de modo diferente não o permitia olhar atrás, ou desejar as coisas que para trás ficaram. De fato, ele as deixou e seguiu em direção a Jesus (Fp 3.12-14) por toda a sua vida. Sua transformação teve ação completa. O Coletor de Impostos, o traidor dos seus pares, o indigno, o cidadão afastado de Deus, agora, por graça e por chamado divino, estava diante do próprio Deus e fora chamado para segui-Lo e servi-Lo diretamente. O que o fez até o momento de sua morte.
5 – SUA MORTE
Mateus não foi exceção à regra de vida e morte dos demais apóstolos. Como eles, também viveu pela causa do SENHOR e encontrou a morte ao final, como mártir, por entregar-se e dedicar-se integralmente à pregação do evangelho. A tradição conta que ele anunciou o evangelho de Jesus na Judéia, Etiópia e Pérsia, sendo morto, por ferimentos de espada, na Etiópia. Alguns afirmam que, posteriormente seu corpo fora levado e sepultado em Salermo, Italia.
Quando optou por abandonar a velha vida e as velhas práticas, entregando-se ao SENHOR, Mateus também abriu mão de sua própria vida não a considerando mais importante do que o SENHOR que lhe encontrou e lhe chamou das trevas para Luz e da morte para a vida. De fato, Mateus dedicou-se à obra e a chamar pessoas como ele era antes de ser tocado pela graça de Cristo. Começou pelos publicanos, passando por Judeus que não conseguiam compreender a aplicação veterotestamentária a Jesus. Mas não foi apenas um escritor teórico. Sua vida também foi prática. Sua humildade, em seu próprio evangelho, notória. De fato, honrou ao SENHOR e se colocou como sombra na narrativa. Ele não era e nunca foi a principal personagem do que escrevera. Ele era um detalhe que foi incluso nessa obra por graça divina. Viu, em vida, a si mesmo como servo e serviu até quando chegou o momento da morte. Anunciou até o fim que Jesus chama o pecador ao arrependimento e não faz acepção de pessoas.
CONCLUSÃO
Mateus foi um apóstolo fantástico! E a informação que temos sobre sua vida resume-se em seu chamado e no banquete que ofereceu a Jesus. Mas a falta de informação não diminui em nada sua participação e importância. Ao contrário, mostra-nos como era humilde ao ponto de nem em seu próprio evangelho, colocar-se em primeiro ou segundo plano. Ele foi apenas um detalhe na história do ministério de Jesus e tratou a si mesmo desse modo. Tanto sua vida, como seu chamado, ministério e morte foram conduzidos, pela graça de Deus, com humildade, resignação e dedicação total.
APLICAÇÃO
Que profunda reflexão! Que mensagem belíssima aos nossos orgulhosos e vaidosos corações! Que impressionante verdade pudemos aprender nesse texto!
Mateus nos ensinou que não importa quem ou como estamos antes e até o momento do chamado do SENHOR. Algumas pessoas não conseguem se livrar dos fantasmas do passando ao se converter, seja por não conseguir abrir mão totalmente das práticas pregressas, seja por que os demais ao seu redor estão sempre lhe cobrando pelo passado. Na lição de hoje aprendemos que mesmo o pior dos homens pode ser chamado por Jesus, lapidado por Ele e usado para a Sua glória. Não importa quem fomos até Cristo nos chamar e libertar. Importa quem seremos agora que Cristo nos libertou.
Ore pedindo ao Senhor humildade. Existem pessoas que colocam-se como protagonistas de sua própria história e se esquecem que suas histórias de vida devem ser um – importante, mas pequeno – detalhe na história da redenção. Não somos nós quem devemos aparecer e sim Cristo quem deve transparecer em e por nós.
Ore, pedindo a Deus que lhe use para levar seus iguais aos pés do SENHOR. Muitos ao se converterem, tendem a abandonar seus amigos ímpios, ao invés de apresenta-los ao mestre. Seja instrumento para salvação e conversão de outros que, como você, precisam conhecer a graça de Cristo.
Medite, ore e cante a letra do hino “Sinceridade[6]” reconhecendo a graça de Cristo em sua vida!
1 Jesus, Senhor, me achego a ti
Tua ira santa mereci;
O teu favor me estende aqui!
Aceita um pecador!
Eu venho como estou!         
Sim venho como estou!
Porque Jesus por mim morreu,
Eu venho como estou!
2 As minhas culpas grandes são,
Mas tu, que não morreste em vão,
Me podes conceder perdão!
Aceita um pecador!
3 Oh! Vem agora, Salvador,
Livrar-me por teu grande amor,
Pois tu, Jesus, és meu Senhor;
Aceita um pecador. Amém.
(E. H. Hamilton – S. P. Kalley)



[1] Adaptado do livro MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed.
[2] Sugestão de leituras: D – Mt 5.3 Felizes são os humildes; S – Mt 5.14-16 Seja a Luz do mundo; T – Mt 5.43-48 Praticando o amor; Q – Mt 6.5-15 Aprendendo a orar com Jesus; Q – Mt 6.19-24 O tesouro verdadeiro; S – Mt 6.25-34 Controle a Ansiedade!; S – Mt 7.24-27 Firme-se sobre a rocha.
[3] MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed. Pp. 145
[4] Em Mc 2.14, ele é chamado por seu nome judeu, “Levi”. Lucas também o chama assim em 5.27-29. Depois, o denomina de Mateus em 6.15 e em At 1.13.
[5] MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed. Pp. 149-150
[6] Nº 74 do Hinário Novo Cântico.