sábado, 27 de agosto de 2016

Pedro - O Apóstolo que falava demais.

(Texto Base: Lc 22.31-32)[1]
Existem pelo menos quatro listas com os nomes dos doze apóstolos no Novo Testamento[2]. Todas elas (Mt 10.2-4; Mc 3.16-19; Lc 6.13-16; At 1.13) são bastante semelhantes na ordem em que aparecerem. Pedro é o nome que vem em primeiro lugar em todas elas e, respeitando a lógica oriental, em que o que vem primeiro é o que tem maior importância e ênfase, Pedro é tido como líder e porta-voz do grupo.
Os doze são subdivididos em três grupos, com quatro pessoas em cada um deles. Os três nomes que aparecem no início de cada grupo parece ter sido o líder de respectivo grupo que era formado desde aqueles mais próximos a Jesus até aos menos próximos entre os doze. A lista, ao que parece, está organizada com base no nível de intimidade com Cristo.
O Primeiro Grupo, formado por Pedro, André, Tiago e João era o que mais esteve presente nos relatos dos evangelistas, próximos ao Mestre, sendo testemunhas diretas de tudo, ou quase tudo, do que fazia. O segundo, formado por Filipe, Bartolomeu, Tomé e Mateus. Era o grupo que não era tão próximo de Jesus quanto o primeiro, mas são importantes figuras nos relatos dos evangelhos. Já o ultimo grupo, formado por Tiago (Filho de Alfeu), Tadeu, Simão e Judas Iscariotes formam o grupo que raramente é nominalmente mencionado, com exceção de Judas Iscariotes, que foi quem o traiu e ficou conhecido por esse marco.
O grupo era incrivelmente variado, tanto em suas personalidades, quanto em seus interesses, incluindo suas origens políticas. Não havia uma hegemonia naquele grupo. Enquanto João era calado (em atos 1-12 ele e Pedro são companheiros, mas nenhuma palavra sua é registrada), “Pedro era afoito, agressivo, ousado e franco – tendo o hábito de pôr sua boca para funcionar quando o cérebro ainda estava em ponto morto[3]”. Bartolomeu era rápido para crer (Jo 1.47-50) e confessar a Jesus, mas seu nome aparece no mesmo grupo que Tomé, homem cético e desconfiado de tudo. Esse era o variado grupo que Jesus escolhera, cujo líder era o – desbocado, mas posteriormente transformado – Pedro.
1 – “SIMÃO, A QUEM ACRESCENTOU O NOME DE PEDRO”.
Simão era um nome comum em sua época. Havia várias pessoas, inclusive nos evangelhos, que se chamavam “Simão” (Mt 13.55; Jo 6.71; Mt 26.6; Lc 7.36-40; Mt 27.32). O nome completo de Simão, o que estamos estudando, era Simão Barjonas (Mt 16.17), que significa, literalmente, Filho de Jonas.
Contudo, Jesus lhe deu outro nome. Lucas relata que o Senhor acrescentou o nome de Pedro (Lc 6.14). O Fato de Lucas dizer que o Senhor lhe acrescentou um nome diz muita coisa sobre o propósito de Jesus. Ele não trocou o nome de Simão, mas o apelidou.
“Pedro” significa rocha (do grego petros, cujo equivalente em aramaico é cephas). Esse apelido era significativo. Simão era um homem impulsivo, impetuoso e inconstante. Jesus deu-lhe um apelido que lembrava-o justamente dessas falhas e de como ele deveria ser: firme como uma rocha. Simão era como aquelas pessoas que prometem muito e na hora “H”, desaparecem e abandonam o barco. Simão era o homem que cabia perfeitamente na descrição de Tiago sobre um homem de ânimo dobre (Tg 1.8). Ao que parece, Jesus mudou o nome de Pedro para lembra-lo de quem ele deveria ser.
A partir do encontro com Jesus, Simão era identificado de acordo com o contexto. Em contextos seculares, como em seu trabalho de pescador, era identificado por Simão. Em contextos em que sua velha natureza era aparente e dominava a mente dele, também era chamado de Simão, para lembra-lo de que deveria mudar e agir de acordo com a natureza dada por Cristo.
Quando Simão falhava Jesus também o chamava de Simão, lembrando-o de que ele não era perfeito (Lc 22.31). Já no evangelho de João, por 15 vezes este evangelista se refere a ele como Simão Pedro, o que indica que este, por ser íntimo daquele, constantemente via suas duas faces: sua antiga natureza em constante contato e luta com a nova em sua mente.
Mesmo depois da ressurreição, Simão demonstrou sua antiga natureza, voltando a pescar e foi interpelado por Jesus quanto ao seu amor pelo Ele (Jo 21.15-17). Essa foi a última vez em que Simão foi chamado de Pedro. A partir de Atos, ele é identificado por Pedro e, daquele momento em diante, esse é o nome pelo qual ele é conhecido. Esse homem, as vezes Simão, as vezes Pedro, é exatamente como a maioria dos cristãos: as vezes carnal, as vezes espiritual. Mesmo assim, era o líder dos doze.
2 – “VINDE APÓS MIM E EU VOS FAREI PESCADORES DE HOMENS”.
Pedro, juntamente com seu irmão André, era pescador. As lidas nos rios e nos barcos de pesca eram uma realidade constante e conhecida em sua vida. Ele constantemente pescava no “Mar da Galiléia” ou “Lago de Genesaré” (ambos são o mesmo lugar). Nesse lago eram comuns três tipos de peixes: os peixinhos, usados na multiplicação de pães e peixes (Jo 6.9), são sardinhas que, servidas com uma espécie de pão, parecido com panqueca, formavam uma comida típica da região; Outro tipo de peixe era o Barbilhão. Ele é um tipo de Carpa e pode chegar a pesar quase oito quilos. Em Mt 17.27 era esse o peixe que Jesus mandou Pedro pescar para pagar o imposto, pois era o único peixe grande para engolir uma moeda e ser pego em anzol; O outro tipo de peixe é o Carapeba, atualmente conhecido como “peixe de São Pedro”, haja visto ser o peixe de maior existência nos tempos de Jesus e pescado por todos os pescadores, inclusive Pedro.
Quando Jesus Chama Pedro para segui-Lo e dele fazer um grande apóstolo, Jesus o chama fazendo menção ao que Pedro já sabia e amava fazer: Pescar. O Senhor utilizou uma imagem que Pedro conhecia bem para usar no serviço da Seara Santa. Tudo o que Pedro sabia fazer até aquele momento era falar demais e pescar. O Senhor, soberanamente e poderosamente, chama a Pedro e usa esses seus talentos para a sua obra.
Pedro, Chamado por Jesus, foi fazer o que sabia. Contudo, apesar de ser algo que ele estava acostumado a fazer, seria trabalhado e lapidado para usar seus talentos “naturais” para a obra do Senhor e morreria, como de fato morreu, usando esses talentos, com sabedoria, sendo um grande pescador de homens junto dos demais. Como líder na pescaria, foi levantado pelo Senhor como líder e, por vezes, porta voz dos demais.
3 – A MATÉRIA PRIMA DO VERDADEIRO LÍDER.
Pedro é a pessoa que responde ao questionamento se a pessoa nasce líder ou se ela é formada como líder. Ele tinha as características necessárias para exercer liderança, mas deveria ser trabalhado – e foi – pelo Senhor a fim de poder exercer sua liderança de maneira sadia e construtiva. Claro que, ao dizer que Pedro nasceu com as características certas para a liderança, estamos, também, exaltando ao criador que foi quem lhe imprimiu tais características antes de nascer, no ventre de sua mãe (Sl 139.13-16). E quais características foram essas que Pedro possuía? Vejamo-las:
1)              Curiosidade. Quando se procura um bom líder, a primeira coisa que se deseja encontrar é alguém que faça muitas perguntas e seja curiosa. Essa palavra define muito bem o apóstolo Pedro. Pessoas que se contentam com aquilo que é dado como senso comum e não questionam absolutamente nada, não servem para exercer a liderança. Mas também não adianta sair por ai fazendo perguntas a torto e a direito, sem propósitos construtivos a si e aos demais. Um bom líder é aquele que faz as perguntas certas no momento certo e que consegue, evidentemente, as respostas certas que nem sempre são aquelas que gostaríamos de ouvir. Pedro, nos evangelhos é a pessoa que mais faz perguntas. Mais até do que todos os demais juntos. Ele é quem pediu para o Senhor explicar suas difíceis palavras (Mt 15.15; Lc 12.41), quem perguntou sobre temas difíceis, como o perdão (Mt 18.21) e a recompensa por seguir à Jesus (Mt 19.27). O Bom líder, como Pedro, deve usar de sua curiosidade e trazer clareza e ensino a todos.
2)              Iniciativa. O verdadeiro líder não fica apenas no mundo das ideias. Ele parte para a ação e faz as coisas acontecerem. Pedro era uma pessoa desse tipo. Ele não apenas fazia perguntas, mas geralmente era o primeiro a responder – e vale lembrar que infelizmente ele ligava a boca quando o cérebro ainda estava em ponto morto – e o primeiro a agir pela impulsividade e pelo calor do momento. Um exemplo para disso, temos quando Jesus pergunta “Quem diz o povo ser o Filho do homem?” (Mt 16.13). Depois de ouvidas as muitas respostas, Jesus se volta ao grupo e é mais direto em sua pergunta: “Mas vós, quem dizeis que eu sou?”. Pedro toma à dianteira e reponde em nome do grupo (Mt 16.15-16). Pedro respondeu enquanto os demais ainda pensavam na pergunta. Outro momento exemplar da ousadia de Pedro foi quando, no Getsêmani, ao chegarem os soldados para prenderem a Jesus, Pedro pegou sua espada e decepou a orelha de Malco. Agiu primeiro, sem pensar, no calor do momento e fora censurado pelo Senhor, pois apesar de sua boa vontade, Cristo já havia predito que seria entregue nas mãos dos pecadores. Nesse último episódio, os evangelhos descrevem que havia uma turba de soldados (Mt 26.47; Mc 14.43 e Lc 22.47). Os destacamentos romanos eram compostos por cerca de 600 soldados com espadas e porretes.  Havia algumas centenas de pessoas ali para prenderem a Jesus e o que Pedro esperava fazer? Arrancar a orelha ou cortar a cabeça de cada um deles? Pedro tinha iniciativa, mas por ainda não ter sido lapidado pelo Senhor agiu precipitadamente. Ter iniciativa e ser precipitado são características distintas.
3)              Envolvimento. Pedro não era o tipo de pessoa que estava ao longe apenas palpitando em como as coisas deveriam acontecer. Como um líder que era, Pedro era encontrado no meio da ação, quando as coisas estavam acontecendo. Por isso que ele era o discípulo que mais acompanhou Jesus em tudo o que fazia e estava próximo do Senhor durante todo o seu ministério terreno. Mesmo quando Pedro negou a Jesus, no pátio da casa do Sumo sacerdote, ele e provavelmente João (Jo 18.15) eram os únicos a estarem próximos do Senhor ao ponto de Jesus fita-lo com seu olhar quando o galo cantou (Lc 22.61). Quando todos haviam abandonado o Senhor por temerem por suas próprias vidas, Simão Pedro não conseguiu abandonar o Senhor completamente, ainda que o tenha negado, pois estava lá, próximo, vendo o que iria acontecer com o Senhor. Um bom líder está sempre onde as coisas acontecem e inspira, motiva os demais a também estarem.
4 – AS EXPERIÊNCIAS DE VIDA QUE FORMAM O VERDADEIRO LÍDER.
Pedro havia nascido com as características certas da liderança, isso é inegável. Mas ele ainda não estava pronto quando encontrado por Jesus e por isso teve de ser moldado e lapidado pelo Senhor até estar pronto para conduzir e apascentar o rebando do Senhor.
Sua vida fora cheia de altos e baixos e, durante o ministério terreno de Jesus, Pedro foi testado, provado, ensinado de todas as formas possíveis e imagináveis. Ele fora duramente confrontado por Jesus quando disse que o seguiria até a morte e o Senhor descreveu sua negação; fora chamado pelo Senhor de Satanás (Mt 16.23). Pedro, que num momento fora tomado pelo Senhor e proferido um testemunho santo, no parágrafo seguinte tem seus lábios tomados e usados por satanás. Pedro, cheio de si e orgulhoso por sua “firmeza” em Jesus, foi novamente vitimado por satanás e demonstrou a maior das fraquezas humanas até então e negou a Jesus, aprendendo que se o homem não estiver firme em suas convicções, poderá cair e cair muito. Ele aprendeu à duras penas, que o homem é inclinado para o mal e que precisa da graça de Cristo para fazer o que é certo e o que é Justo. Definitivamente, Satanás o estava peneirando como trigo. Por isso, ele posteriormente escreve a Igreja alertando à vigilância a fim de não serem presas fáceis à satanás (1Pe 5.8-10).
CONCLUSÃO
Fora de qualquer questionamento, Pedro foi um grande homem de Deus e um excepcional líder para a Igreja Cristã. Mas ele não nasceu pronto, embora tivesse as características necessárias para tal.
Pedro experimentou duramente o trabalhar e o agir de Deus moldando seu ser para que, aquilo que já lhe era natural, pudesse ser usado de forma sobrenatural para a glória do Reino de Jesus. Foi moído, foi confrontado, foi repreendido e humilhado por si mesmo ao longo da sua caminhada com Jesus pela sua agilidade em falar muito e agir rapidamente sem pensar no que estava acontecendo e nas consequências e implicações de suas palavras e ações. E, apensar disso permaneceu firme e foi provado e aprovado por Cristo ao ponto de ser chamado “bem-aventurado” e de ter recebido do Senhor as chaves do Reino para ser Seu embaixador.
Longe do que qualquer um de nós faria Pedro, ao ser confrontado com Jesus, não manifestou mágoas, ressentimentos, tristezas camufladas e muito menos desistiu de seguir e servir ao Senhor. Quanto mais ele era confrontado e lapidado, mais dedicado ele se tornava para não ser repreendido pelo seu Senhor. Foi treinado para aprender a ouvir mais e a falar menos, falando apenas a coisa certa no momento certo. O Pedro que vemos nas cartas por ele escritas definitivamente não é o mesmo Pedro, rude, impulsivo, inconsequente e precipitado que vemos nos evangelhos. Ele realmente fora transformado por Deus.
APLICAÇÃO
“...todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar e tardio para se irar” (Tg 1.19). Pedro aprendeu a duras penas essa preciosa verdade. Ore ao Senhor suplicando que lhe torne assim, pela sua imensa graça e misericórdia. Lembre-se de que Deus sabe bem quem você é e como você é.
Lembre-se de que o Senhor também nos promete uma nova identidade com a nossa nova natureza a ser desenvolvida nesta vida e desfrutada na que está porvir. Mas, para isso, o Senhor precisa trabalhar em seu ser.
Ore pedindo ao Senhor que lhe dê maturidade para ser trabalhado por Jesus. Muitos, ao começarem as lutas e provações para serem aprovados, desistem da carreira cristã, abandonam o barco, saem da Igreja e se magoam com Deus por não ser como elas gostariam que fossem. Mas lembre-se do exemplo de Pedro que permaneceu firme mesmo sendo severamente confrontado por Jesus.
Por fim, se você é curioso, tem iniciativa e é envolvido com as coisas, você é líder. Ore ao senhor suplicando para que esta sua postura seja uma bênção e que não seja confundido com as características ruins. Não confunda o “querer saber” com o “querer aprender e ensinar”. Não confunda o fato de ter iniciativa com a tristeza de agir de forma afoita e precipitada. Seja sábio! Não confunda o envolvimento com o “tomar partido”. A Igreja nunca foi e nunca será palanque político partidário. Seja como Pedro tornou-se.
Lembre-se de que Pedro era pescador e Cristo aproveitou-se disso e o chamou a ser pescador de homens. Dedique-se e entregue-se ao Senhor com seus dons e talentos naturais. Ao longo da caminhada o Senhor poderá lhe conceder alguns mais, se ele quiser. Mas, gloriosamente, Ele já lhe concedeu alguns quando te formou no ventre de tua mãe e você deve usá-lo para o louvor da glória e do Nome do Senhor. Abra-se para que o Senhor lapide e use sua vida para o Seu louvor. Não seja como Simão, que falava muito, por vezes mais do que deveria. Seja como Pedro que era sábio e poderosamente usado por Deus depois da ascensão de Jesus. Ore e medite nos versos do poeta que nos fala a respeito da Vida Santificada[4] (Nº 131 do HNC).
1 Para seres santo, tempo hás de tomar,
Com o grande Mestre, seu livro estudar;
Hás de sempre amá-lo, aos fiéis valer
E as bênçãos celestes de Deus receber.
2 Para seres puro, tempo hás de encontrar,
A sós com teu Mestre mui frequente estar.
Teu olhar bem fito nele sempre ter,
Teus atos provando seu grande poder.
3 Para seres forte, tempo hás de buscar;
Ao Mestre seguindo por onde guiar;
No gozo ou tristeza, sempre obedecer,
Ao seu bom conselho com fé recorrer.
4 Para seres útil, tempo hás de guardar!
Ser calmo e paciente em todo lugar;
Ter a sua graça e mostrar amor,
Contente e submisso aos pés do Senhor.
(W. D. Longstaff – S. L. Ginsburg)




[1] Extraído e adaptado de MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed.
[2] Daqui em diante, apenas chamado de NT
[3] MACARTHUR, John. Doze homens comuns. A experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2011, 2ª Ed. Pp 43.
[4] Nº 131 do Hinário Novo Cântico.