quinta-feira, 19 de junho de 2014

Oração Sincera de Confissão de Pecados

O Salmo 51 contém umas das mais belas orações de confissão de pecados de toda a Bíblia. Davi, o homem segundo o coração de Deus (At 13.22), é o autor dessa oração profunda que nos mostra, em rápidas palavras, de como deve ser uma confissão sincera de pecados, produto de um coração tocado pelo Espírito de Deus e que reconhece, de fato, o peso dos seus pecados.
Súplica: Diante do confronto do profeta Natã, que foi ter com ele depois de sua queda com Bate-Seba (2Sm 12.1-14), Davi, entendendo a gravidade de seus atos, suplica ao Senhor pela “multidão das tuas misericórdias” (VS 1), sabendo que não era por merecimento, mas sim porque “as misericórdias do Senhor não tem fim” (Lm 3.22) que ele poderia ser perdoado. Ele não coloca-se diante do Senhor como o proeminente rei que era, mas como necessitado da graça de Deus, como todos os homens (Rm 3.23). Sabendo dessa preciosa verdade, Davi suplica ao Senhor que o limpasse, sabendo que a limpeza e a purificação vem só do Senhor (VS 2). Nada do que ele fizesse poderia purificá-lo. Mas o coração dele, contristado e arrependido, era o que o Senhor procurava para purifica-lo e restaurá-lo (VS 16-17).
Reconhecimento: Depois de suplicar ao Senhor pelas misericórdias Dele e por purificação, Davi reconhece o seu pecado e a sua natureza pecaminosa (VS 3,5). Davi entendia que ele não nasceu bom e tornou-se mal. Antes disso, sabia bem que nasceu na maldade e era essencialmente mau tudo o que ele fazia, ainda que tivesse bons atos. Davi tinha ciência tal de seus pecados que ele diz ao Senhor que conhece as suas transgressões. Davi não se coloca diante de Deus como um pecador apenas pela certeza de que todo homem é pecador. Ele apresenta-se diante de Deus como pecador porque ele conhecia seus próprios pecados e sabia bem o que tinha feito e como tinha feito. Ele sabia do conhecimento que Deus tinha dele, desde o ventre de sua mãe (Sl 139.1-6; 13-16), portanto, Deus conhecia bem todos os seus pecados e seu estado de depravação total, como posteriormente Calvino compreenderia a situação do homem diante da desgraça do pecado[1]. Porém, Davi reconhece também a santidade e a justiça de Deus, exercida face ao pecado (VS 4). Calvino, nas Institutas da Religião (Livro I), afirma que o conhecimento sobre Deus e o conhecimento sobre o homem anda entrelaçado. Diante dessa afirmação, W. Gray Cramptom afirma que Só conhecemos a nós mesmos quando conhecemos a Deus[2], a semelhança da experiência do Profeta Isaías que reconheceu seu estado vil, quando contemplou a santidade de Deus (Is 6.1-5). Diante dessa mesma realidade da santidade de Deus, Davi reconhece a necessidade de ter uma vida santa diante dos olhos do Senhor (VS 6). Sua vida em todos os seus procedimentos devem ser retos (Sl 15; 101), pois é isso que Deus exige do seu povo na Lei de Moisés (Lv 11.44a), cujo padrão é o próprio Deus. Davi jamais obteria o favor do Senhor se ele não reconhecesse sua natureza corrompida e a exigência do Senhor de que deveria ser tal como Ele é (Mt 5.48).
 Busca pela restauração de Deus: Após suplicar e reconhecer tudo o que já fez anteriormente, Davi sabe que a restauração só pode vir de Deus. Alias, este conhecimento era presente em todo o Israel, pois sabiam que apenas Deus pode restaurar a sorte do seu povo (Sl 126.4). Davi sabe que apenas Deus poder tornar o pecador alvo mais que a neve (VS 7), por mais escuros que sejam as manchas do pecado (Is 1.18). O rei tinha tanta certeza sobre esse fato que pede a Deus para que o purificasse plenamente e usa como exemplo para tal purificação o hissopo. Hissopo era uma planta usada medicinalmente para lavagem e purificação de feridas purulentas no período antigo e era usada no banho dos leprosos. Davi sabia que seus pecados diante de Deus era tão desprezível quanto a lepra e que ele não poderia estar diante de Deus enquanto não fosse limpo. Ele não se contentava em apenas ser limpo, mas desejava ser purificado e sabia que apenas Deus poderia fazê-lo, portanto, reconhecendo essa verdade, pede e busca isso em Deus.  Davi sabia também que somente a restauração de Deus pode dar a verdadeira alegria (VS 8,12), pois entende que o pecado nos separa de Deus e que Deus é a fonte de toda a nossa alegria. Não existe alegria longe de Deus ou separado Dele. Como a alegria é somente em Deus, o rei pede ao Senhor que lhe restaure essa alegria e esse jubilo demonstrado por ele em vários outros momentos. Para um homem que andou com Deus, estar distante Dele lhe tirava a felicidade e a alegria verdadeira, que é marca de alguém que vive no Espírito Santo (Gl 5.22). Davi também sabe que só Deus restaurando sua vida é que ele poderá ser perdoado de seus atos vis contra o Senhor (VS 9), e que sozinho não pode mudar os intentos do seu próprio coração (VS 10) que, por essência, é mau (Jr 17.9) e que só essa restauração pode manter o perdoado em comunhão com Deus (VS 11-12).
Vendo, então, a realidade apresentada por essa belíssima oração de confissão, aprendemos algumas valorosas lições para as nossas vidas:
 1) Precisamos aprender a suplicar o favor do Senhor não olhando para os nossos acertos ou quase como exigindo que Deus nos perdoe ou mesmo avaliando e classificando nossos pecados como sendo grandes ou pequenos. Também não podemos achar que devemos ser perdoados por causa de nossas boas ações quase que automaticamente como se elas invalidassem os nossos pecados. Precisamos entender que a graça do perdão se dá, em Cristo, pela vontade de Deus que nos amou ao ponto de entregar Seu Filho por nós (Rm 5.8; 8.32-33; Ef 2.8-9) Devemos suplicar ao Senhor pela multidão de suas misericórdias e também pedir ao Senhor que nos lave de todo pecado, em Cristo, o Cordeiro de Deus que tem para isso poder e autoridade (Jo 1.29; 6.52-57).
2) Precisamos reconhecer os nossos pecados diante de Deus. Falar deles ou confessá-los subjetivamente não adianta, pois nossos pecados não são, em sua maioria, cometidos por ignorância. Assim como o pecado de Davi, nós, muitas vezes planejamos bem, ainda que rapidamente, nossos pecados. Podemos não ter ciência plena sobre a extensão do pecado, mas, por causa do Espírito de Deus e de Sua Palavra, sabemos que temos cometido pecado e sabemos quais são, de modo que não somos inocentes sob o olhar de Deus (Tg 1.12-15; Na 1.3). Precisamos aprender a reconhecer nosso estado pecaminoso e nossa natureza pecaminosa que está em constante clima de tensão com nossa nova natureza (Rm 7.13-25; Gl 5.17) e que nascemos em pecado e que não somos, em nós mesmos, justos de modo algum (Sl 14.1-3; Rm 3.10-12). Mas apenas isso não é suficiente. Só conseguimos ter uma visão clara de quem somos, quando olhamos a Deus tal como Ele é. Portanto, precisamos conhecer a Deus e sua vontade por meio de Sua Palavra para que possamos compreender satisfatoriamente a necessidade de ter uma vida santa e reta diante de Deus. Não basta apenas reconhecimento do pecado e reconhecimento da santidade de Deus, se nós não reconhecermos a necessidade duma vida santa e piedosa e lutarmos por tal vida como nossa meta, a partir do novo nascimento (Ef 4.20-31; Fp 3.12-14; 1Pe 1.14-16).
3) Precisamos também buscar a restauração que só pode vir de Deus, por meio de Cristo. Somente Cristo pode nos tornar alvos mais do que a neve, a ponto de não haver nenhuma acusação de mácula contra nossas vidas (Rm 8.31-34; Ap. 22.14). Nenhum outro pode restaurar nossas vidas diante de Deus e, por meio dessa restauração, restabelecer a comunhão perdida e renovar nossa alegria no Senhor. Apenas Cristo pode fazê-lo e, para tanto, precisamos verdadeiramente confessar nossos pecados diante do Senhor para que Ele, por meio de sua obra expiatória, possa restaurar essas maravilhas em nossas vidas. Somente haverá alegria na presença de Deus (Sl 122), certeza de perdão e restauração na presença de Deus (Sl 32) e mudança de pensamento e atitudes (Sl 101) quando formos alvos da verdadeira restauração de Deus, a partir do arrependimento de nossos pecados.
Diante da grandeza dessa bela oração e de todas as verdades aprendidas por meio dela, precisamos rever nossos momentos de confissão e nossos atos de arrependimento. Davi foi o homem segundo o coração de Deus e o seu pecado não mudou sua posição diante do Senhor, pois o Senhor conhecia a Davi e, diante do seu próprio erro, Davi mostrou sua devoção, temor e amor ao Senhor. Deus não muda a visão Dele a nosso respeito, pois sabe bem quem somos. Portanto, sejamos como Davi e sejamos sinceros diante de Deus em todos os momentos, inclusive quando da confissão de nossos pecados. Só assim alcançaremos, por graça, o favor do Senhor. Que Ele se apiede de nós, e que nós sejamos preenchidos pelo Espírito de Deus a ponto de nos juntarmos ao rei Davi nessa oração, e ao poeta, ao reconhecer nossos pecados:

Perdão[3]
1       Se sofrimento te causei, ó Deus,
Se ao meu exemplo o fraco tropeçou,
Se eu não andei nos bons caminhos teus.
Perdão, Senhor!

2       Se vão e fútil foi o meu falar
Se amor ao meu irmão não demonstrei;
Se ao sofredor eu não quis ajudar.
Perdão, Senhor!

3       Se negligente foi o meu viver,
Sem me dispor a pelejar por ti,
Se firme em teu trabalho eu não quis ser.
Perdão, Senhor!

4       Escuta, ó Deus, a minha oração
E vem livrar-me do pecado vil.
Renova este pobre coração!
Amém, Senhor!
(C. M. Battersby – H. Cantoni – J. S. Costa)




[1] Cf. http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/joao_calvino_5pontos_silverio.htm
[2] Cf. http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/calvino-conhecimento_crampton.pdf
[3] Nº 71 do Hinário Novo Cântico