quarta-feira, 19 de março de 2014

Porque estudar os livros chamados "Históricos"?

Sem sobra de dúvidas, muitos cristãos tem aversão à leitura dos livros bíblicos que compõe a literatura dos Históricos (Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Crônicas, Esdras, Nemias e Ester). Essa aversão se dá por vário fatores que envolvem desde o problema natural do homem que insistentemente luta para não dar ouvidos à voz de Deus, às diferenças geográficas, literárias e culturais entre outros. Além do mais, num mundo em que a veracidade dos fatos bíblicos tem sido amplamente discutida, as pessoas são levadas a crer que as histórias[1] de Israel não passam de estórias[2] a respeito duma divindade nacional e colocam os relatos bíblicos como sendo lendas israelitas para promoverem heróis e explicar os desastres ocorridos, como o exílio babilônico.
Por causa de concepções errôneas e entendimentos fraudulentos sobre a condução de Deus na história, e de Sua ação nela e através dela, que teorias como o “Teísmo aberto[3]” tem surgido e levado muitos crentes a crerem nessa heresia que torna Deus um mero coadjuvante na história da humanidade. É nesse contexto que temos a necessidade de ler, meditar e ouvir a voz de Deus nas Escrituras Sagradas. Por essa razão, alguns motivos auxiliam-nos para vermos a necessidade de lermos com afinco este trecho específico da palavra de Deus.
Partindo do pressuposto de que toda a Escritura (e ela toda, em todos os seus mínimos detalhes) é inspirada por Deus (2Tm 3.16) e, portanto, deve ser lida e estudada pelo seu povo, não deveria haver outros argumentos mais fortes do que este para que o povo da Aliança de Deus, os eleitos em Cristo desde antes da fundação do mundo (Rm 8.29-30), tivessem o prazer de meditar na Lei do Senhor. Ouvir Deus falar deve ser o motivo principal pelo qual lemos todos os trechos bíblicos. Contudo, infelizmente, nem todos aqueles que denominam-se herdeiros de Deus em Cristo, conseguem ver dessa forma. Encaram como algo enfadonho, pesaroso e, por vezes, até chato a leitura e a meditação em qualquer trecho Bíblico, sobretudo dos assim chamados históricos que fazem referências, algumas vezes, à genealogias, o que gera um desconforto com o leitor ocidental que não aplica o mesmo peso à essas informações, quanto os leitores originais. Mas este, embora o principal, não é o único motivo. Elencamos outros quatro motivos que podem nos ajudar a entender a importância de lermos os livros Históricos.
Primeiro, precisamos estudar os livros Históricos porque tratam a respeito da nossa história também. Embora não sejamos Judeus, somos o Israel espiritual de Deus. Esse é o entendimento a partir do Novo Testamento, quando aprendemos que Deus tem os Seus de toda tribo, povo, língua e nação, em todas as partes da terra e que, num primeiro momento, a nação dos hebreus era um modelo a ser observado por outros para que aprendessem a viver pela graça de Deus. Observando este fato, a história do povo hebreu não é uma história aleatória, mas um retrato sobre a natureza humana levado aos seus pormenores, seja enquanto aproxima-se de Deus, seja afastando-se Dele. Embora não vivamos na mesma cultura e nem sob as mesmas leis civis, todos os eventos, bênçãos e maldições recaídas sobre eles servem como modelo e exemplo do que devemos ou não fazer, de como devemos ou não viver. Estudar os Históricos ajuda-nos a entender como Deus trata com seriedade a Aliança firmada com seu povo e como devemos fazê-lo também, para não incorrermos nos mesmos erros que eles. Dessa forma, trata da nossa história também.
Segundo, o estudo dos Históricos ajuda-nos a perceber a história dum Deus que ama o Seu povo, mas que é igualmente justo e corrige seus filhos quando estes desonram sua Aliança e desobedecem Sua palavra. Interessantemente, somos levados a crer num Deus que é apenas amor e que todos os seus outros atributos estão submetidos a este. Contudo, através dos históricos nós aprendemos que o amor de Deus caminha lado a lado com sua justiça e que, jamais, Deus deixa de satisfazer sua justiça por causa do amor. Antes, em amor, satisfaz sua justiça[4]. Um exemplo disso é o rei Davi que, ao pecar com Bate-Seba contra Urias, sofreu a justa – dentro da ótica de Deus – punição por seus pecados, enfrentando a espada e a violência em sua casa (2Sm 12.10). Mesmo assim, seu pecado fora perdoado (2Sm 12.13). Através dos históricos aprendemos que Deus perdoa nossos erros, mas, como Pai que é, não nos livra da justa consequência de nossos atos.
Terceira, aprendemos que mesmo que nossos olhos não vejam claramente a ação de Deus, ele sempre está agindo (Cf. Ester). Houve claros momentos em Israel em que parecia que Deus não estava vendo a situação dos israelitas. Principalmente quando os reis faziam o que era mau perante o Senhor e fazia o povo sofrer imensamente por isso. Contudo, somos convidados por Deus a entender que nós não podemos nos conduzir por aquilo que vemos ou por aquilo que sentimos, uma vez que nosso coração é enganoso (Jr 17.9). Há momentos em que, em nossa própria vida, parece que provamos o distanciamento de Deus. Mas somos convidados por Ele, através da história de Israel, a ver que Ele sempre está conduzindo todas as coisas para a glória do Seu santo nome e não, necessariamente, para aquilo que queremos ou imaginamos ser o melhor. Através desses livros, somos convidados a crer que os pensamentos e caminhos de Deus são diferentes e melhores que os nossos (Is 55.8-9). Muitos são os momentos em que, como no caso de Davi, nos dizem – e até pensamos – “não há em Deus salvação para ele” (Sl3.2), mas somos convidados pelo mesmo Deus a testemunhar o mesmo que Davi ao concluir que se “O SENHOR é a minha luz e a minha salvação; de quem terei medo? O SENHOR é a fortaleza da minha vida; a quem temerei? (...) Porque, se meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me acolherá.” (Sl 27.1,10) Desse modo, somos levados a crer na promessa de que Deus está conosco por onde quer que andemos (Js 1.9) até o fim dos tempos (Mt 28.20). Se não o vemos, por meio dos Históricos, cremos (Hb 11.1).
Quarto, aprendemos que Deus independe de nós para cumprir seus propósitos. Mesmo nos momentos em que tudo parecia perdido, e que nada parecia que daria certo, Deus conduziu, soberanamente, cada evento para o estabelecimento de Sua vontade e para a Sua glória. Reis fizeram o que era mau, o povo desprezou ao SENHOR e cultuaram outros deuses, as tribos se dividiram entre Reino do Norte e Reino do Sul, mas, ainda assim, Deus estabeleceu e cumpriu Seu propósito em tudo. Dessa forma, somos levados a perceber que Deus não depende de circunstâncias para agir. Ele age nelas, por elas, para elas e independente delas. Quando Deus tem um propósito na vida do seu povo, seja coletiva ou individualmente, nada está perdido. Ele pode fazer a estéril ter filhos (1Sm 2.21), um pequeno grupo vencer um exercito gigantesco (Jz 7), ressuscita mortos (2Rs 4.8-36) e faz muitas outras coisas desde que Ele queira. Gloriosamente somos informados de que Deus não muda (Tg 1.17), portanto, continua sendo o Deus soberano em nossos dias e cumpre seus propósitos, independente de nós. Somos apenas convidados a fazermos como Jó, e testemunhar: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2).
Mesmo num mundo em que meditar na Lei do Senhor é visto como perda de tempo e que o importante, para os cristãos, é experiência com Deus[5], precisamos nos levantar para ouvir a voz Dele por meio de Sua palavra. Deus continua nos falando e nos ensinando de maneira pedagógica através dos exemplos dos nossos irmãos do passado.  Meditar nos livros Históricos não é meramente aprender sobre histórias de heróis empoeirados que pouco ou nada tem a ver conosco. Meditar nesses doze livros é obedecer a Deus e aceitar o Seu convite para conhecer a Sua história e não incorrermos nos mesmos erros do passado.
Nosso trabalho é nos ajuntarmos aos corajosos irmãos do passado para, juntos, erguemos a bandeira da palavra de Deus, extrair dela alimento e vida, como ela gera. Ouçamos a voz do Senhor ecoar através de cada exemplo e aprendamos que Deus sempre guiou, guia e guiará a história como seu Autor, Criador e preservador. Firmemos nossa fé consciente no Senhor, nos juntemos ao poeta e confessemos nossa confiança no nosso Deus, que é o Deus dos Antigos:
Deus dos Antigos, cuja forte mão
Rege e sustém os astros na amplidão!
Ó soberano, excelso Criador,
Com gratidão cantamos teu louvor!

Desde o passado foste nossa luz,
Sol que até hoje com fulgor reluz!
Sê nosso Esteio, guia e Proteção,
Tua Palavra, lei e direção.

Da guerra atroz, do crime e assolação,
Dos tempos maus de um mundo em confusão,
Seja teu braço o nosso defensor,
Pois confiamos sempre em ti, Senhor!

Teu povo, ó Deus, assiste em seu labor,
No testemunho do teu grande amor.
As nossas vidas vem fortalecer
Para o teu nome sempre engrandecer. Amém.
(D. C. Roberts – trad. J. W. Faustini)


[1] História: são registro de fatos reais.
[2] Estória: são os contos e lendas inventadas por um povo e transmitida como verdade, geração após geração.
[3] Teísmo Aberto: “Segundo o Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes, o teísmo aberto, ou teologia relacional, diz respeito a um novo deus posto no mercado evangélico por aqueles que colocam Deus apenas como um Deus de amor, cujo outros atributos estão todos subordinados a este (Cf. LOPES, Augustos Nicodemus. Teologia Relacional: Um novo deus no mercado. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/presciencia/augustus_teologia_relacional.htm acessado em 12/04/12). O problema dessa corrente é que ela coloca Deus em atitude de parceria com o homem e não como seu Senhor. Alguns extremistas desse ponto de vista afirmam que Deus até pode saber o futuro, mas abre mão de tal conhecimento por amor ao homem e age no campo das probabilidades. Ele não sabe ao certo o que pode ou não ocorrera e vai agindo na história conforme esta vai seguindo seu curso. Em outras palavras, coloca o Deus da criação, aquele cujo poder faz com que Ele chame seu exercito de estrelas e nenhuma delas vem faltar por ser Ele grande em poder (Is 40.26), em lugar de uma de Suas criaturas, limitadas, e que divide sua “grandeza” com o homem a quem criara, esquecendo-se de que Deus não divide sua glória com ninguém (Is 42.8).” (REIS, Michel dos Santos. Capacitando para melhor servir. Históricos. Instituto Teológico Rev. Luiz Gonzaga de Medeiros. Carapicuíba, maio de 2012. Pp. 16)
[4] LIMA, Leandro Antônio de. Jesus precisava mesmo morrer? Brasil Presbiteriano. São Paulo, dezembro de 2013. Pp 18-19
[5][5] Experiência com Deus: Ignorância ou conhecimento? REIS, Michel dos Santos. Disponivel em: http://refletindoparaavida.blogspot.com.br/2013/12/experiencia-com-deus-ignorancia-ou.html Acessado em: 19/03/14

sexta-feira, 14 de março de 2014

Profetas de Deus ou de si mesmos?


Os nossos dias são marcados por homens que se denominam grandes diante de Deus e se auto-denominam de profetas da atualidade. Suas profecias atraem milhares de pessoas que estão em busca de “ouvirem” a voz de Deus por meio de outros homens e que buscam respostas às suas inquietações, mas fazem esta busca de maneira totalmente errônea, não querendo, de fato, ouvir o que Deus tem a dizer quanto às reais necessidades humanas, e sim quanto aos desejos humanos que estão em busca de satisfação e conforto nessa vida.
Por outro lado, temos uma enorme dificuldade quanto ao nosso entendimento cristão sobre “profeta”. Chamamos de profeta todos aqueles que supostamente falam em nome de Deus, mas não nos atemos a entender o que a Bíblia diz a respeito de profetas e profecias. Mas vejamos o que Deus nos diz a respeito de profetas que viriam em nome Dele e que, verdadeiramente, falam da parte dele.
O capítulo 18 de Deuteronômio, nos versos 15-22, Moisés faz uma profecia a respeito de outro grande Profeta que viria em Israel. Há duas profecias presentes aqui. Moisés está dizendo que haveria mais profetas em Israel que iriam profetizar no meio do povo. Mas que profetas seriam esses?
Primeiro Moisés fala a despeito de um grande profeta que iria se levantar no meio do povo e diz ao povo que eles deveriam ouvir a voz desse profeta sob pena de prestar contas a Deus caso não O ouvissem. Analisando este texto sob a perspectiva cristológica, fica evidente que a profecia de Moisés, nesse tocante, refere-se a Cristo, uma vez que cumpre o ofício profético de maneira perfeita. Esse papel era desenvolvido perfeitamente pelo fato de Cristo ser O profeta que falava com base em sua própria autoridade e todas as suas palavras eram divinas. Os profetas anteriores diziam “A mim me veio a palavra do Senhor” (Vide o livro dos profetas), porém, Jesus, dizia “Em verdade, em verdade eu vos digo”. Jesus fala da parte de Deus com base em sua própria autoridade, sabendo a respeito do que está falando e todas as suas profecias se cumprem.
Já os demais profetas veterotestamentários, quando falavam da parte de Deus, com base na autoridade conferida pelo próprio YHWH, nem sempre entendiam o teor da mensagem. Muitas vezes esperavam o cumprimento imediato da profecia. Em muitos casos havia um duplo cumprimento da profecia, um tão logo fosse proferida, outro num futuro estipulado por Deus. É o caso da profecia de Dt 18 que trata a respeito de profetas com funções diferentes. Outro exemplo desse aspecto do duplo cumprimento da profecia encontra-se em Is 7. Deus prometera a Acaz, rei de Judá, um sinal da presença de Deus com Judá com a finalidade de fazê-lo ver que Deus estava agindo no seu povo. O sinal era que uma virgem daria a luz um filho a quem o povo e o rei veriam, e o rei entenderia que este era o Emanuel (Deus conosco). Isso aconteceu tão logo Isaías profetizou e Acaz viu o sinal de que Deus estava com ele e com Israel. Porém, esta mesma profecia se referia a Cristo. Em Mt 1 temos o anjo falando a Maria estas mesmas palavras e aplicando-as a Jesus. Isso demonstra que nem sempre o profeta sabia exatamente sobre o que se tratava a profecia.
Outro aspecto da profecia de Moisés sobre os profetas que viriam a Israel demonstra que Deus suscitaria profetas além do grande Profeta. A profecia desses homens estaria sujeita ao cumprimento de maneira que se fossem profetas falando da parte de YHWH, a profecia se cumpriria, caso contrário, o profeta não era da parte de Deus, falava com base em seu próprio coração e vaidade e seria, ele mesmo, punido por Deus. O povo deveria se atentar para essa realidade, pois, caso contrário, iriam cometer pecados e torpezas a exemplo do que já havia acontecido em Israel quando Balaão (Ap 2.14; Nm 25.1-3; Nm 31.16) profetizou contra Israel.
Desse modo, a profecia de Moisés apresentam essas duas realidades: Havia de vir profetas que falariam à Israel, mas viria também O Profeta que viria e falaria de maneira definitiva à Israel, mas agora não necessariamente ao Israel físico, i.e., Israel enquanto nação, mas ao Israel Espiritual de Deus, que somos nós.
        Os profetas de nossos dias, ou seja, aqueles que falam da Palavra de Deus, também devem ser experimentados nesse sentido. Não falam de si mesmos, mas somente da Palavra de Deus. Outro tipo de profecia, não sendo baseada na autoridade da palavra de Deus, e não apresentando o seu cumprimento, deve ser entendida como palavra de homens, motivadas pela vaidade do coração e não merece crédito da parte dos crentes. Precisamos aprender a buscar o entendimento em Deus e esperar nele. Profetas surgiram em Israel que, ao falarem o que o povo queria ouvir, fizeram com que se afastassem de Deus. Outros, falando o que Deus ordenara e não sendo o que o povo gostaria de ouvir, foram atacados e desacreditados pelo povo, mas não diante de Deus. Nossos profetas precisam aprender a transmitir a mensagem de Deus, por mais dura que seja, de maneira fiel, afinal de contas, se é Deus falando, e sendo os ouvintes dedicados em ouvir a voz de Deus, que transtorno haverá? A menos que o profeta ou o ouvinte não estejam, verdadeiramente, querendo ouvir Deus falar.